segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Quem é o culpado?

Em vários artigos, eu discuti o desempenho de fundos de investimento e as evidências de que, na média, eles geram um retorno abaixo do seu índice de referência. Além de reforçar esse ponto, o artigo de Charles Ellis publicado na Financial Analysts Journal procura determinar quem é o culpado por isso. Aponta quatro suspeitos e conclui: todos são culpados.


O foco do artigo são os fundos institucionais, como fundos de pensão. Uma das fontes de mau desempenho desses fundos está relacionada com a contratação de gestores de carteira, como o livro The Quest for Alpha também relata. Os administradores dos fundos institucionais contratam gestores que tiveram um bom desempenho em tempos recentes só para depois dispensá-los quando não geram os mesmos retornos, só para que os mesmos voltem a ter um bom desempenho depois da dispensa. Acabam comprando caro o gestor e depois vendendo barato. A escolha de gestores também passa por aplicar em ativos que tiveram um bom desempenho passado, mas que não necessariamente terão bom desempenho futuro. Outro fator são os custos dos investimentos, situação analisada em maiores detalhes em outros artigos. Os baixíssimos custos dos fundos passivos criam um custo ainda maior para os fundos ativos na comparação entre os dois. Na margem, o custo superior dos fundos ativos não é compensado por retornos superiores.

Então, quem é o “culpado”? (Culpado no sentido de responsável pelo baixo desempenho dos fundos institucionais). O autor lista os suspeitos. O primeiro, e segundo o autor, principal, são os gestores. Ellis argumenta que um dos problemas é que os gestores se esforçam demais para passarem uma boa imagem de si mesmo, mascarando a realidade com a escolha cuidadosa de dados, mostrando desempenho antes de despesas, explicando de maneira simplória estratégias complexas de investimento e por ai vai. Mais esforço deveria ser feito na comunicação com o cliente para convencê-lo do quão difícil é obter desempenho superior e menos em vender ilusões.

Outros culpados são os consultores, que ajudam a selecionar os gestores para o comitê de investimentos dos fundos institucionais. O comitê tem pouco tempo livre, já que se dedicam a outras atividades, e precisam depender de consultores. Estes, para reduzir o risco de perderem a conta com o cliente, diversificam em excesso na sugestão de gestores. Além do mais, adotam posições muito defensivas, mais pensando em seus interesses no que dos clientes. A rotatividade dos gestores de mau desempenho também é uma prática defensiva, apresentando só aqueles que deram certo sem se dar ao trabalho de fender os que tiveram pior desempenho no passado, mas poderiam melhorar no futuro. Ou seja, nessa parte do mau desempenho, contratar gestores com bom desempenho passado e dispensar os que forma pior, os consultores são os culpados.

Os executivos dos fundos também são culpados. Ellis aponta para o fato de uma mesma instituição manter várias contas separadas, o que do ponto de vista de economia de escala não parece muito inteligente. Aponta também o fato de que são eles que contratam os demais participantes da administração e por isso também têm uma parcela de culpa.

Segundo Ellis, o comitê de investimentos também tem culpa, apesar das melhores das intenções. Primeiro, os membros se reúnem muito infrequentemente, por pouco tempo, se ocupam de algumas tarefas pouco relevantes e têm que tomar decisões de contratar ou dispensar gestores no tempo que sobra. Ellis ainda acredita que muitos dos membros não estão tão atualizados quanto às práticas de investimentos mais modernas. O foco em decisões de investimentos, e não em boa governança, também atrapalha o desempenho dos comitês e os tornam também culpados pelo desempenho inferior dos fundos.

Isso leva Ellis a concluir que o culpado são todos os suspeitos, que nem no livro Assassinato no Expresso do Oriente, de Agatha Christie, que serviu de inspiração para a argumentação e o título do artigo. O pior: eles não estão dispostos a reconhecer isso. Ellis aponta vários problemas na administração dos fundos institucionais e mostra algumas das soluções que poderiam ser implantadas se houvesse vontade para tal.

Charles Ellis

Financial Analysts Journal. Volume 68. Ed. 4. 2012

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