segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Importância econômica da literacia financeira

Fonte da imagem: Investment Juan

Artigos de Annamaria Lusardi já apareceram anteriormente no blog. Ela volta ao tema em artigo publicado no Journal of Economic Perspective em 2014 em co-autoria de Olivia Mitchell.


Literacia financeira é definida como a capacidade das pessoas processarem informações econômicas e tomar decisões informadas sobre planejamento financeiro, acumulação de patrimônio, dívidas e pensões. Conhecimento financeiro pode ser entendido como um capital humano e o objetivo do artigo é revisar a literatura em busca de determinar os retornos auferidos com esse conhecimento.

Os estudos recentes sobre literacia financeira suprem duas lacunas. Primeiro, há muitas teorias sobre investimentos e planejamento de aposentadoria que supõem que as pessoas conseguem se planejar e executar esse planejamento, o que sabemos que não é verdade. Além disso, muito já se escreveu sobre a economia da educação, mas o conhecimento financeiro necessário para a aquisição de produtos financeiros só agora começou a ser mais estudado. 

O problema era unificar em um modelo teórico manejável a questão da aquisição de conhecimento financeiro. As duas autoras do artigo mais Pierre-Carl Michaud escreveram um artigo onde procuravam modelar essa questão. A pessoa pode utilizar uma “tecnologia” simples (sem conhecimento financeiro) recebendo uma baixa taxa de retorno ou investir em conhecimento pagando custos diretos e indiretos (tempo). Essa pessoa recebe rendas no mercado de trabalho e está sujeita a riscos vindos do mercado de trabalho, da longevidade e do custo da medicina. Usando a tecnologia mais avançada (com conhecimento financeiro) pode receber rendas maiores, mas está sujeita a mais risco. A cada período, a pessoa toma uma decisão sobre quanto consumir e quanto investir, podendo inclusive investir em conhecimento financeiro.

O modelo tem algumas implicações. Uma delas é que as pessoas decidirão quanto investir em conhecimento financeiro em função do custo de aquisição desse conhecimento. Pode parecer trivial, mas não basta tocar no assunto, é necessário reduzir o custo financeiro e psíquico, facilitando a abordagem do assunto. Implicações mais complexas incluem a previsão de que o conhecimento financeiro pode ser uma das fontes da desigualdade.

Mais interessante do que as previsões teóricas do modelo são as evidências empíricas. Antes de chegar nessa parte, o artigo mostra como a literacia é medida. Já expliquei isso alhures e não vou me repetir aqui. Nesse mesmo texto, também falei sobre o estado do conhecimento da população em diversos países a respeito da literacia financeira, com resultados bem pobres, a maioria das pessoas desconhecendo conceitos financeiros básicos. Os resultados ocorrem em todas as faixas etárias e nos diversos países examinados em diversos estudos. O pior de tudo é que, quando perguntados sobre o nível de conhecimento que as pessoas achavam que tinham, boa parte acreditava que conhecia sobre o assunto. Ou seja, o nível de literacia é baixo, mas a maioria das pessoas não se dá conta disso.

Pessoas mais velhas possuem um nível menor de literacia financeira, mas são os que mais acreditam que possuem os conhecimentos necessários. Mulheres possuem menor nível de literacia, mas também são mais conscientes dessa deficiência. Esse resultado é bem generalizado, afetando mulheres casadas e solteiras, com alta ou baixa instrução. As autoras levantam a hipótese de que as mulheres aprendem sobre Finanças de uma maneira diferente dos homens, mas o fato é que ainda não há uma conclusão sobre porque as mulheres têm um nível inferior de literacia financeira.

Grau de escolaridade está positivamente relacionado com literacia e algumas habilidades como a numeracia também estão relacionados com literacia, mas habilidades cognitivas por si só não explicam a variação do nível de literacia entre as pessoas.

O nível de conhecimento financeiro dos pais e o fato deles investirem em ações influenciam o nível de literacia dos filhos. Pessoas vivendo nas cidades possuem maior conhecimento financeiro do que os que moram no campo. Ou seja, família e comunidade também são fatores que influenciam o conhecimento financeiro das pessoas.

Desconhecimento sobre conceitos básicos de Finanças é bem disseminado, mas está concentrado em alguns grupos demográficos (pobres, mulheres, idosos, principalmente). E esse é um tema importante porque traz consequências econômicas. Com base em evidências mais robustas (não meras correlações), sabemos que a literacia financeira está positivamente relacionada com o investimento em ações e com a poupança por motivos de precaução, além do planejamento da aposentadoria. Pessoas com menos conhecimento financeiros estão mais sujeitas a contratarem hipotecas mais caras, a se endividarem mais (e a custos maiores), usarem errado o cartão de crédito e poupar menos. Em todos esses casos, o conhecimento financeiro possui um papel importante distinto da educação geral.

A ignorância financeira tem custos. Como pessoas com baixa literacia financeira investem menos, principalmente em ações, isso leva ao aumento na desigualdade. Mesmo que invistam, essas pessoas ignoram os custos das aplicações, acabando por pagar elevadas taxas de administração. Literacia financeira é importante também na aposentadoria, pessoas com mais conhecimento financeiro não apenas se planejando melhor, mas também investindo em produtos com menores custos.

A respeito de programas de educação financeira, as autoras fazem mais alertas do que revisão das evidências. Primeiro, programas curtos ou breves exposições a aulas sobre conceitos financeiros podem não ser o suficiente para mudar o comportamento financeiro das pessoas. Segundo que o ideal seria ter diferentes programas de educação financeira, uma solução única sendo ineficaz para se comunicar com públicos diferentes com necessidades financeiras diferentes. Por isso, iniciativas de educação financeira segregadas para jovens, mulheres, idosos e trabalhadores podem ser o melhor caminho, não apenas pelo estilo de comunicação, mas também por enfoques diferentes. No fim das contas, ainda não se pode afirmar muito sobre o real impacto dos programas de educação financeira no comportamento dos alunos.

Resumindo, a pesquisa empírica sobre o tema mostrou o baixo nível do conhecimento financeiro em diversos países e que a literacia financeira influencia de forma positiva a vida das pessoas em diversos aspectos econômicos. Porém, não está tão claro como aumentar o conhecimento econômico, uma vez que as pesquisas sobre o assunto não são conclusivas e faltam chegar no ponto da relação custo-benefício. Como um campo de estudos, há ainda muito a ser estudado. No Brasil, desconheço uma pesquisa abrangente sobre a literacia financeira.

Annamaria Lusardi e Olivia Mitchell.

Journal of Economic Literature. Volume 52. Ed. 1. 2014

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