quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Caixa dos fundos de investimentos

Caixa é financeiramente um mau investimento, que não rende juros, o que impõe perda de oportunidade e perda com a inflação.


Mesmo que a definição de caixa seja títulos curtos de renda fixa sem risco de crédito, ainda assim o retorno é baixo na comparação com outros investimentos. Porém, o caixa pode ser um investimento estratégico e é o que o artigo de Mikhail Simutin publicado na Review of Finance procura analisar.

A manutenção de um elevado caixa por fundos de investimento pode ter várias implicações. Além da perda de oportunidade mencionada, pode mostrar uma falta de habilidade por parte do gestor, que não está conseguindo encontrar aplicações no mercado. Por outro lado, pode dar flexibilidade ao gestor ao permitir que ele adquira ações a preços atrativos ou honrar resgates sem ter que vender a qualquer preço os ativos em carteira.

No artigo, Simutin procura determinar a quantia “anormal” de caixa, ou seja, a proporção não-investida que excede o que seria de se esperar de fundos com as mesmas características. O autor utilizou a base de dados CRSP no período entre 1992-2009. Os fundos mantinham em média 4% dos ativos em caixa, mas havia uma variação muito grande, o decil de menor caixa mantendo 0,1% e o maior 9%. Ao longo do tempo, a média caiu de 7% no começo dos anos 1990 para 3% ao final dos anos 2000.

O próximo ponto é determinar os fatores que levam o gestor a manter dinheiro em caixa. Em resumo, os fundos que mantêm mais dinheiro em caixa são os fundos:

- Que têm maiores despesas (que são pagas em dinheiro)
- Que têm taxa de carregamento (porque as aplicações são menores e menos frequentes)
- Maiores (para terem que vender as ações com menos frequência)
- Com maior retorno e maior fluxo positivo (um acaba implicando o outro e mostra que o gestor está em busca de bons investimentos para aplicar os novos aportes)
- Mais arriscados (segundo os fatores do modelo Fama-French)
- Que recebem menos dividendos (porque dividendos geram caixa)
- Com a carteira mais concentrada (para não ter que vender essas posições concentradas)
- Mais novos (sem um histórico, o fundo é mais vulnerável a resgates)
- Com estratégias mais agressivas

Volatilidade dos fluxos é um fator que surpreendentemente não se mostrou significativo.

O próximo passo é determinar o “caixa anormal” para depois relaciona-lo com o desempenho. Esse é o caixa mantido pelo fundo que se desvia daquilo que seria de se esperar de fundos com as mesmas características a partir de uma regressão múltipla, como a que determinou os fatores determinantes listados acima. Os autores então procurariam relacionar o caixa anormal com o retorno ajustado ao risco, usando o modelo Fama-French, adicionando o fator Momento de Carhart (1997) e Liquidez de Pastor e Stambaugh (2003). Os fundos são classificados em quintis e os retornos são analisados em conjunto.

Não há relação entre caixa “bruto” e desempenho, mas isso ocorre porque há vários fatores que explicam tanto a manutenção de caixa quanto os retornos. Usando o caixa anormal, há uma diferença de 0,18 p.p. mensais entre os fundos classificados no quintil superior e inferior de caixa anormal. Em termos de alfa, o quintil superior ganha do inferior com alfa de 0,21p.p. superior. Na verdade, é menos inferior, embora em algumas análises os quintis superiores não mostrem significância estatística. Pelo que eu vi nas tabelas, o 4º quintil tem um desempenho melhor do que o quintil superior. De todo modo, a superioridade dos fundos com mais caixa anormal é estável analisando-se ao longo do tempo e os resultados reportados não se aplicam apenas ao agregado do período 1992-1999.

Em regressões do tipo Fama-Macbeth (1973), os autores procuraram determinar quais fatores estão relacionados com os retornos. As análises confirmam que o importante é o caixa anormal, e não o caixa bruto. Além disso, tamanho e os fatores dos modelos de precificação estão relacionados com os retornos, mas isso não invalida o caixa anormal como fator explicativo. Economicamente, o aumento de um desvio-padrão do caixa anormal resulta em um aumento de 1%a.a. nos retornos.

Porém, manter muito caixa (estar no grupo de 5% dos fundos com mais caixa anormal) é prejudicial aos retornos. A questão é: quanto de caixa anormal manter? Isso remete a outra pergunta: o que faz com que o caixa anormalmente alto seja benéfico, até certo ponto?

Primeiro de tudo, o mais natural seria pensar que a manutenção de um elevado caixa é um ponto negativo, afinal é dinheiro rendendo pouco ou até perdendo para a inflação. Uma hipótese é a de que os gestores seguram caixa a espera de boas oportunidades. Para testar isso, os autores analisaram as carteiras dos fundos e examinaram o retorno das ações que os fundos compraram, venderam e mantiveram. Uma carteira com as ações compradas pelos fundos com alto caixa anormal rendeu 0,27p.p. acima do que as ações compradas pelos fundos de baixo caixa, o resultado sendo de 0,2p.p. entre esses grupos para as ações mantidas. Para as ações vendidas, não há relação significativa.

A volatilidade do caixa anormal pode fornecer mais informações. Se o caixa é utilizado para aproveitar oportunidades, ele será volátil, diminuindo em momentos mais favoráveis, aumentando em mercados piores. Por isso, além de separar por fundos com baixo ou alto caixa anormal, é interessante separar entre fundos com caixas mais ou menos voláteis. Fazendo essa separação, os voláteis superam os persistentes, a diferença sendo maior no grupo com menor caixa anormal. Ou seja, caixa nas mãos certas, mesmo que pouco, pode fazer diferença no desempenho.

Outra forma de medir a habilidade do gestor em gerir o caixa e obter bons retornos é nas situações de alta volatilidade e de mercado subavaliado, boas momentos para gestores habilidosos lucrarem. Uma aproximação é a dispersão da relação Valor Patrimonial/Preço, grandes dispersões indicando uma boa oportunidade de encontrar ativos sendo erroneamente avaliados. Outra medida é a correlação mediana entre o retorno das ações e do mercado.  Uma elevada correlação indicaria menos oportunidades para selecionar ações, uma vez que as ações se movem em conjunto. Uma carteira comprada em fundos com elevado caixa anormal e vendido em fundos com caixa baixo tem resultados superiores conforme a dispersão do VP/P é maior e conforme a correlação é menor. Os retornos também estão positivamente correlacionados com o Retorno com Dividendos e negativamente com o rendimento dos Treasury Bills, ou seja, em momentos de preços baixos.

Analisando fundos indexados, não há diferença entre fundos com alto e baixo nível anormal de caixa. Dessa forma, há evidências de que os gestores com caixa acima do considerado normal têm habilidade superior de selecionar ações na comparação com os gestores que mantem menos caixa do que o esperado.

A próxima questão seria examinar se os gestores possuem habilidade de escolher o melhor momento para aplicar o caixa em excesso. Existem medidas para isso, os autores usam três, e confesso que não as conhecia. São baseadas nos trabalhos de Treynor e Mazuy (1966), Henriksson e Merton (1981) e Jagannathan e Korajczyk (1986). Valores positivos para esse índice indicam habilidade de temporização do mercado. Os resultados indicam, embora não sem alguma incerteza quanto aos resultados, que os fundos com menos caixa anormal têm piores habilidades de temporização de mercado.

Aportes e resgates de cotas também afetam tanto o retorno quanto o caixa, então, é interessante examinar como se dá a interação entre esses fatores. Para examinar essa questão, os autores separaram os fundos nos quintis de caixa anormal e separaram cada quintil em dois grupos, de alto e baixo fluxo. A diferença alto-baixo caixa é maior para fundos com aportes líquidos maiores do que para fundos com baixo fluxo. Isso dá suporte à ideia de que os gestores mantêm caixa mais elevado para honrarem resgates sem terem que vender a qualquer preço os ativos investidos. Isso é confirmado com uma análise que mostra que os fundos com baixo caixa sofrem mais em períodos de menor liquidez. Quando a liquidez é elevada, não há diferença.

Outra possibilidade é a de que os gestores mantêm caixa elevado como uma forma de minimizar os custos de transação, não tendo pressa para comprar ou vender as ações e dessa forma não aceitando pagar elevados spreads. As aproximações para o custo de transação são o giro da carteira e uma estimativa dos custos de execução. Os quintis com maiores caixas anormais mostram tanto menor giro da carteira quanto menor custo de execução, a diferença entre o quintil superior e inferior sendo de 10% para o giro e 0,11% nos custos em relação aos ativos líquidos totais. Esses resultados sugerem que os fundos com mais caixa anormal podem executar as suas políticas de forma mais gradual, sem terem que aceitar pagar elevados preços para negociar mais rapidamente.


Em resumo, os benefícios de se manter um caixa elevado (flexibilidade, melhor controle dos fluxos e dos custos) superam os seus custos (custo de oportunidade) em fundos de investimento em ações. 

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