terça-feira, 28 de agosto de 2012

Dinheiro e Magia


Hans Christoph Binswanger

Já escrevi uma resenha sobre o livro Economia em Pessoa, que mostra as relações entre um grande nome da Literatura com Economia. Outro livro dessa série informal, Dinheiro e Magia, é sobre Goethe e seu Fausto.

O livro procura traçar um paralelo entre o Fausto e temas econômicos, principalmente no que se refere ao dinheiro/à moeda. No prefácio à edição brasileira, Gustavo Franco faz um resumo do Fausto de Goethe e das origens do mito em torno da figura de Fausto, contando um pouco mais sobre as outras versões da obra. O prefácio não acrescenta muito ao tema principal do livro, mas é útil para que o leitor se familiarize com o enredo do Fausto e alguns dos temas tratados na obra.

Já na parte de Binswanger, o primeiro capítulo mostra a relação entre alquimia e economia no Fausto na medida em que tanto em um quanto no outro, há a busca pelo “ouro artificial”. Binswanger afirma que “todo aquele que não consegue compreender essa alquimia, a mensagem que Fausto transmite, não pode entender a dimensão colossal da economia moderna”. Verdade ou não, vamos procurar entender isso então.

Como Franco mencionou no prefácio, há um “Fausto histórico”, uma pessoa (doutor Fausto, em Freiburg, Alemanha) que diziam ser necromante e alquimista. Após estabelecer esse fato, Binswanger passa a explicar o que vem a ser a alquimia. O objetivo dos alquimistas era transformar metal comum em precioso (ouro), o chumbo sendo o preferido para tal finalidade. O chumbo está associado a Saturno/Cronos, deus do tempo. Logo, a transformação alquímica seria a conversão de um metal inferior associado à transitoriedade em metal precioso e símbolo do eterno. Na visão dos alquimistas, o ouro já está contido no chumbo e o trabalho do alquimista seria apenas o de “fazer crescer” o ouro no chumbo juntando os quatro elementos presentes no metal com a quinta-essência, a pedra filosofal. O processo seria a tentativa do homem de escapar do tempo enquanto ainda está nele, tentativa de triunfar sobre o tempo e conquistar o absoluto. Aquilo que demoraria eras para surgir poderia ser conseguido muito mais rapidamente graças à alquimia. O ouro por sua vez tem duas simbologias: a primeira seria o de ouro espiritual, sua busca sendo o caminho para a felicidade perpétua; no sentido material, o ouro também seria eterno por suas características físicas (confesso não saber até que ponto isso é verdadeiro) e seria utilizado tanto para a busca da juventude eterna e vida longa quanto para uso como dinheiro.

Essas duas metas do sentido material do ouro são os temas da parte 1 e da parte 2 do Fausto. Na primeira parte, há o rejuvenescimento e virilidade através da poção áurea, enquanto que na segunda parte há a criação de ouro artificial no sentido de dinheiro e da criação do papel-moeda.

Ao invés de ser um pacto, o que o Fausto na versão de Goethe faz é uma aposta com Mefistófeles. O demônio aposta que conseguirá chegar a um momento de tamanho prazer que desejará eternizá-lo. A primeira tentativa no Fausto 1 (o amor) fracassa, mas na parte 2 Fausto perde a sua aposta com a possibilidade de realizar o progresso econômico/tecnológico através do ouro artificial.

Hoje em dia, a alquimia como transformação de chumbo em ouro está abandonada, mas é notável o paralelismo entre transformar pedaços de papel pintados em algo extremamente valioso, ou seja, criar o papel-moeda a partir do nada (transformar substância sem valor em algo dotado de valor). O crescimento econômico vem do “esforço” humano, vem do trabalho, poupança (abstenção de consumo) e do progresso tecnológico (resultado de estudo e pesquisa). A “alquimia econômica” procura um método de eliminar o “esforço” e ter um “crescimento contínuo na produção sem aumento correspondente do esforço despendido” através da “magia”.

O processo de criação de ouro envolve a junção do mercúrio filosofal e do enxofre filosofal, elementos associados respectivamente com água e fogo. O primeiro estágio no processo econômico, a criação de moeda, literalmente cria “liquidez” e são facilmente colocadas em circulação, sendo mais fáceis de manipular e de produzir do que moedas. Papel-moeda por si só não representa riqueza, sendo necessário um segundo elemento obtido na parte seguinte do processo, o enxofre filosofal sendo o patrimônio no sentido de “dominum” “a norma de propriedade da lei romana, que assegura ao proprietário o direito de tratar sua propriedade como bem entender”. Isso representa um passo para a materialização do papel-moeda em riqueza, ou a alquímica solidificação pelo enxofre sobre o mercúrio líquido. O processo alquímico é finalizado com o sal filosofal na forma de capital real utilizado na produção junção dos dois elementos anteriores. O deus Mercúrio era associado a diversas atividades, incluindo alquimia e comércio, e o mercúrio passa a representar o comércio; o enxofre, associado ao fogo, é a energia; e o sal é o que completa o ciclo ao solidificar o papel-moeda e a propriedade em ativos reais.

O resultado é a obra máxima de extrair valor do que só tem valor em potencial, como extrair ouro de um material que supostamente possuía o ouro em potencial. A tese do autor é a de que o Fausto de Goethe mostra outros fatores além do “esforço humano” (trabalho, poupança, estudo e pesquisa) atuando na economia, de acordo com a “magia” no paralelismo com os elementos alquímicos: papel-moeda, legitimação dessa moeda, paixões humanas relacionadas com a propriedade, multiplicação de velocidade e expansão das forças de produção pela energia não humana. A junção de todos esses elementos permite a manipulação da natureza e a criação de valor a partir do que não tinha valor em si mesmo. Emissão de moeda é necessária nesse processo (atuando em seu começo), mas, para que não redunde em inflação de preços, a moeda deve ser posta em circulação por meio de valores reais gerados na indústria e no comércio. Aos elementos do crescimento econômico mencionados anteriormente, acrescente-se o processo “alquímico” de transformação da natureza e destas em dinheiro. O resultado do processo alquímico-econômico é a “obra máxima”, o crescimento econômico, a criação de riqueza a partir do que não tinha valor monetário por uma junção de esforço humano e “magia”. O que Goethe descreve é a expansão econômica ocasionada pela Revolução Industrial, que de fato poderia ser denominada de “mágica” pois operou de maneira como nunca antes, embora hoje não haja nada de sobrenatural nesse processo. No final do Fausto, a personagem não encontra a felicidade no amor (na primeira parte), e sim na execução de seus atos econômicos como empreendedor.

Apesar do lado positivo do crescimento econômico, o autor nota três desconfortos do progresso conforme expressos no Fausto: a destruição da beleza, os perigos da tecnologia e a apreensão com as incertezas inerentes ao futuro. Como Binswanger nota e Franco analisaria no posfácio, o desenvolvimento econômico, a inovação e o progresso tecnológico, são de natureza ambivalente, com aspectos positivos e negativos. A própria emissão de papel-moeda sem lastro em ouro é uma dessas inovações ambivalentes, servindo como “processo alquímico”, mas que pode resultar em inflação ou hiperinflação com todas as suas consequências econômicas negativas, ponto que Binswanger deixa de enfatizar, mas que Franco retoma no posfácio.

A segunda parte do livro tem como tema a conquista do tempo. Na primeira parte, já foi mencionado o objetivo da alquimia de vencer a transitoriedade. No Fausto, o domínio do tempo se dá de três possíveis modos: pelo caminho da ciência, da arte ou da economia. O primeiro, representado na obra pela criação do Homúnculo, remete ao passado e a busca por declarações atemporais e normas eternas, recuando em busca da “causa da causa” até a fonte primordial de tudo. O caminho da arte é descrito na invocação de Helena de Troia, que na obra representa a arte e a beleza (objeto de busca na arte), ambas não envelhecendo e pairando acima do tempo, podendo ser trazida ao presente pela percepção do amante da arte. Tanto o Homúnculo quanto Helena representam também um ato alquímico de criação a partir do nada, arte e ciência seguindo semelhante processo. A pedra filosofal da ciência é a norma cientificamente verdadeira e válida para sempre, a da arte é a forma que cria imagens a partir da experiência e que pode ser evocada a qualquer momento e a da economia, como visto, é o capital-dinheiro por meio do qual o material pode ser transformado em dinheiro; o dinheiro é atemporal porque não é usado, mas não consumido. O foco da economia é o futuro e se funde com a ciência, mas desloca a arte. Como se sabe hoje, o valor dos projetos e dos empreendimentos vêm da antecipação dos ganhos futuros e são representados por valores no presente. A economia triunfa sobre o tempo, mas apenas temporariamente e a vitória tendo que ser renovada continuamente. “O dinheiro é (...) uma ordem para o futuro”, sendo possível consumir o futuro no presente ou ganhar dinheiro no presente através do futuro. A cada momento o futuro é perdido na economia e é necessária a constante expansão – a obra máxima do processo alquímico-econômico. Bem ou mal, a questão econômica deixou de ser a mera subsistência e passou a ser a busca pela satisfação das necessidades humanas expansíveis incessantemente pela fantasia humana e os modos de vida mais simples se tornam um obstáculo, como na parte do Fausto que trata de Filemôn e Baucis.

Na última parte, Binswanger analisa a relação entre as ideias e Goethe e os economistas da época. Começa ressaltando a autoridade de Goethe em tratar do assunto por ter analisado a questão em seus escritos filosóficos, por ter tido contato com diversos autores da época (como Adam Smith) e por ter trabalhado na corte de Weimar com assuntos econômicos de estado. Goethe defendia uma harmonização entre propriedade e posse comum, via com simpatia o progresso tecnológico e grandes projetos (como do Canal do Panamá), mas também estava atento para os perigos da tecnologia e, diferente de outros pensadores, atribua ao papel-moeda uma importância central no crescimento econômico, como visto no restante do livro.

No posfácio, Gustavo Franco expõe a sua visão sobre o livro em três tópicos: a influência de enredos mitológicos como o de Prometeus no Fausto; o papel-moeda e seu impacto na economia; e o modelo “fáustico” de desenvolvimento. Muitas das observações já estão incluídas em partes anteriores dessa resenha. O destaque do posfácio fica para o final, onde Franco nota que no Brasil há o “homem cordial” ao invés do “homem fáustico”.

Em suma, Dinheiro e Magia é muito interessante e pode ser especialmente proveitoso para quem já leu o Fausto, que também pode ser melhor lido depois de conferir a obra de Binswanger. Não é uma leitura das mais fáceis, mas vale a pena.

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