quarta-feira, 16 de maio de 2012

Duas homenagens

Dias 15 e 16 marcam o aniversário de dois economistas já falecidos que contribuíram muito para o estudo e Finanças: Paul Samuelson (15) e Merton Miller (16). Uma singela homenagem comentando um artigo de cada um. Os textos escolhidos poderiam ser melhores, mas esse ano vamos ter que ir com esses mesmo.

(Entendo quando leio, mas não sei traduzir esse título)

Paul Samuelson, prêmio Nobel de 1970, contribuiu para diversos ramos da Economia e escreveu um dos principais livros-textos, de forma que Robert Merton o chamaria de último economista generalista. Isso inclui Finanças, com Samuelson tendo participado de toda a curta história dessa área. Nesse artigo, Samuelson escreve sua autobibliografia da mesma forma que Eugene Fama faria em outra edição da mesma revista.

O que considerei mais interessante foram os pontos em que Samuelson comenta sobre hipóteses (no plural) de mercado eficiente, um trabalho desenvolvido antes de Fama, que teve contribuições independentes. Samuelson começou analisando a ideia de que os preços seguem um padrão caminho aleatório baseado no trabalho de Louis Bachelier (ele conta que quando um economista pediu uma cópia do livro de Bachelier, ele foi o único respondente). Samuelson conta a história de Halbrook Working, que criou um gráfico de preços de ativos negociados na Chicago Board of Trade seguindo o caminho aleatório e pediu para que os operadores diferenciassem o gráfico artificial e o real, os operadores não conseguindo discernir um do outro com precisão. A explicação de Samuelson para os preços seguirem o caminho aleatório é que nenhum padrão ex-ante surge em um mercado com muitos compradores e vendedores com diferente informações interagindo em leilões competitivos.

Isso não significa que não haja investidores que obtenham retornos anormais, o caso que mais imediatamente vem à mente (inclusive na de Samuelson) sendo de Warren Buffett. A questão é que, nas palavras dele, “there are no easy pickings” e que exceções pouco numerosas à regra podem ser esperadas. Uma das ideias principais dele sobre eficiência de mercado é a micro-eficiência contra a macro-ineficiência. Ele não contesta que retornos anormais só seriam possíveis tendo informações que outros investidores não possuem, o que é difícil de conseguir em um mercado micro-eficiente. Mas ele não corrobora que todo movimento do mercado em geral é baseado em reações a novas informações (macro-ineficiência).

Ele conta algumas histórias sobre investidores, em muitas ocasiões alertando para o excesso de alavancagem. Keynes que é Keynes quase quebrou não fosse um amigo da City londrina. Irving Fischer assumiu compromissos de margem que não podia honrar e ficou “virtualmente falido” (mais de uma vez). Uma passagem interessante é quando Samuelson afirma que quando a operação vai contra o investidor, o modelo diz “espere lucros ainda maiores” e que há momentos em que se deve duvidar do modelo e ir pescar. Conta também que David Ricardo teria manipulado o mercado de renda fixa durante o final das guerras napoleônicas ao ter vendido títulos britânicos, levar outros investidores a acreditar que ele possuía informações privilegiadas e depois revertendo as operações e obtendo lucros astronômicos.

Samuelson menciona diversos economistas. Na parte positiva, cita que Robert Merton afirmou que as maiores contribuições de Samuelson vieram depois dos 50 (e como Merton “conta cartas bem”, acreditou que ele deveria estar certo). Fama, “admirável jovem”, é mencionado e Samuelson defendia sua láurea pelo Nobel. Sobre John Bogle, menciona convite para fazer parte do conselho da Vanguard, Samuelson recusando para estar “mais livre para se entusiasmar” com a empresa. Cita também um artigo que escreveu em ocasião dos 80 anos do “grande Markowitz”. Na parte negativa, Hayek, Milton Friedman e Henry Hazlitt (sem mencionar seu nome).

Um ponto interessante é quando ele cita ser leitor de revistas de medicina e ter escrito artigos sobre Biologia. Ao invés de se arrepender de não ter sido médico, ele procura traçar paralelos entre medicina e tomada de riscos. Infelizmente, ele não escreveu sobre um tema que muito me interessa, que é a noção de que ações se tornam mais atrativas quanto maior for o horizonte de tempo, da qual Samuelson discorda, mas escreveu só de passagem no artigo.

Nesse artigo, Miller compara os mercados financeiros baseados em bancos (especificamente, os asiáticos, na análise da Crise da Ásia do final da década de 1990) e os baseados em mercados de capitais (Estados Unidos). O argumento de Miller é de que a diversificação das fontes de capital tornaria o mercado financeiro mais seguro e menos propenso a enfrentar crises.

O sistema bancário tem seus pontos positivos na forma do “milagre” (palavras dele) de criação de liquidez ao assumir um passivo de curto prazo e investi-lo em ativos de prazo maior. (Isso se dá pelo sistema de reservas fracionárias). O problema é que os bancos são vulneráveis ao descasamento de prazos e às corridas bancárias (como as que ocorrem na Grécia agora). Por conta da importância dada ao sistema bancário, os governos procuram mecanismos para salvaguardar os depósitos, o que cria problemas adicionais de risco moral (os bancos sabendo que serão resgatados assumem mais risco do que fariam se tivessem que ser mais prudentes). Isso cria situações como na Tailândia, onde o governo oferecia garantias para os depósitos, emitindo dinheiro para honrar essas garantias, ao mesmo tempo em que Banco Central tentava diminuir a liquidez para reduzir a especulação. A resposta foi criar regulações de capital para os bancos, exigindo determinado porcentual de capital sobre um determinado montante de ativos ponderados pelo risco. Isso aumentou a burocratização e a corrupção, de modo que talvez tenha só piorado as coisas.

Miller analisa a crise da Ásia começando pelo Japão, que não chegou a fazer parte dos países em crise em 1997, mas que originou toda a confusão. O Japão era um dos países com sistema financeiro muito baseado em bancos, que passaram a encontrar dificuldades em manter os níveis de capital requeridos por conta de massivos empréstimos imobiliários. O crash do mercado acionário e dos preços de imóveis e inadimplência nos empréstimos para pessoas jurídicas levaram os bancos para pesadas perdas que dificultaram o atendimento dos requisitos de capital. Há duas possíveis soluções para esse problema: ou injetar novo capital próprio com emissão de ações (problema: isso poderia levar à perda de controle por parte dos grandes acionistas) ou o governo resgatar com compra de ações sem direito a voto.

A solução não foi nenhuma das duas, e sim baixar os juros na esperança de que os bancos lucrassem tanto com a diferença entre taxas de curto e de longo prazo que pudessem se recapitalizar. Isso, porém, levou à depreciação do iene em relação a outras moedas, como o dólar. O problema é que outras economias asiáticas passaram sofrer pressão sobre suas moedas, que passaram a ser consideradas sobrevalorizadas com a mudança na política monetária no Japão. Como havia muita dívida em dólar, a depreciação cambial nessas economias elevou o custo em moeda local das dívidas, o que significou séria ameaça para a economia real, como se notou na Crise Asiática.

A solução de Miller é rebaixar o papal do sistema bancário na economia com substitutos de outras partes do mercado financeiro. Uma possibilidade é utilizar fundos de curto prazo (Money market funds) para concorrer com depósitos em bancos. Na verdade, qualquer tipo de fundo de baixo risco serviria, mas fundos de curto prazo possuem menor risco de mercado e o valor da cota não mudaria tanto com variações nas taxas de juros. Havendo lastro de 100%, com potencial garantia do sponsor do fundo, não haveria incentivos para o equivalente de corridas bancárias, já que nenhum cotista se beneficiaria de ser o primeiro a solicitar resgate. O que se observa é que nas economias asiáticas havia desincentivo para a criação de substitutos aos bancos como forma de financiar a expansão econômica (segundo Miller, esses países tinham tecnologias financeiras atrasadas).

Um mercado mais ativo de títulos privados de segunda linha também ajudaria a financiar essas empresas, já que os bancos preferem a segurança de títulos mais líquidos, apostando na alavancagem para lucrar mais. Um mercado mais líquido para obrigações de segunda linha também poderia pressionar mais a gerência das empresas e criar tentativas de tomada de controle, o que desafia o poder dos atuais acionistas, tudo o que não se queria nos sistemas mais baseados em bancos.

Calomiris (2012) analisou o artigo de Miller à luz dos eventos recentes (ou seja, a Crise Financeira de 2008) com a cautela de saber que argumenta contra um homem que não pode se defender. Calomiris discorda de Miller em alguns pontos, como o excesso de confiança nos fundos de curto prazo (que tiveram casos de falências entre 1998, data da publicação original do artigo, e 2012), argumenta que nem todo sistema bancário é tão vulnerável (citando o caso do Canadá), que os problemas dos países do sudeste asiático mostram mais as mazelas do sistema político do que do bancário. O autor não discorda totalmente que o mercado de capitais como diversificação das fontes de financiamento tenha um efeito benéfico, mas lembra a natureza mista dos empréstimos subprime, originados no mercado de capitais, mas disseminados pelo sistema bancário. Mesmo com papel menor no financiamento, os bancos ainda atuam como intermediários financeiros e acabam assumindo parte do risco das operações. Bancos e mercados de capitais dependem mutuamente um do outro, de forma que não se elimina crises atribuindo menor papel ao sistema bancário. A solução segundo Calomiris não passa apenas por conferir maior relevância para o mercado de ativos, e sim por tornar mais crível a regulação, eliminar os resgates governamentais e o risco moral, e eliminar subsídios governamentais que distorçam os incentivos.
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Espero no ano que vem comentar artigos sobre a atratividade de longo prazo das ações (Samuelson) e os teoremas de Modigliani-Miller, o que é mais representativo da obra desses autores.

Fonte das imagens: Site do prêmio Nobel: Samuelson e Miller.

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