segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Demanda pelas ações e retornos iniciais

Na série sobre os retornos iniciais de IPOs, o próximo fator a ser descrito é a demanda pelas ações. Duas variáveis funcionam como aproximações da demanda, em meu entendimento: a revisão de preços (definida como a mudança na faixa indicativa de preços) e o ajuste de preços (a diferença entre o preço de lançamento e o preço médio da faixa indicativa). Parte deste texto foi tirado de meu TCC, mas os dados são os mais recentes (até a oferta da Abril Educação).

Booth e Booth (2010) determinaram que ofertas que tiveram revisão de preços ou cujos preços finais ficaram fora da faixa de preços (sem diferenciar se esses ajustes foram para mais ou para menos) tiveram maiores retornos iniciais. Esses resultados se mantêm na análise multivariada. Ljungqvist e Wilhelm (2003) encontraram relações positivas entre revisão de preços e retornos no primeiro dia, considerando todas as revisões e apenas as revisões positivas em separado.

Já para o ajuste de preços, Loughran e Ritter (2002) encontraram que o retorno médio e a porcentagem de ofertas com retornos iniciais positivos é menor quando o preço da oferta é colocado abaixo da mínima da faixa de preços e é maior quando o preço está acima da máxima da faixa. Não foi feito um teste estatístico sobre essas médias. Habib e Ljungqvist (2001), Brau et. al. (2007), Bradley et. al. (2009) e Ligon e Liu (2011) constataram relação positiva entre o ajuste do preço (diferença entre o preço da oferta e a média da faixa de preços) e os retornos iniciais. Lowry e Schwert (2002) chegaram à mesma conclusão, principalmente quando o ajuste é realizado para cima. Loughran e Ritter (2004) encontraram relação positiva entre retornos e o fato do preço da oferta ser estabelecido acima da máxima da faixa de preços.

Revisão de preços
No Brasil, apenas duas ofertas tiveram anúncio de revisão para cima na faixa de preços, BM&F e Bovespa Holding. Outras ofertas tiveram preços de lançamento acima da faixa de preços (Redecard, por exemplo), mas, para que haja realmente uma revisão, a empresa deveria vir a mercado anunciar a nova faixa e abrir a possibilidade dos investidores que já fizeram reservas sair. Esse aqui é o comunicado da BM&F e esse o da Bovespa Holding. As duas ofertas tiveram altas expressivas no primeiro dia, 22%  e 52,13% respectivamente.
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Quanto à revisão para baixo, foram cinco ofertas: Even, JHSF, Le Lis Blanc, OSX e Julio Simões (não encontrei o aviso ao mercado relativo à Even). O retorno inicial médio foi de -6,45%, apenas a JSHF subiu (3,75%) e a Julio Simões (atual JSL) teve retorno nulo.

Na análise multivariada com dados conhecidos após a oferta, o efeito da revisão para baixo é de aproximadamente -10% e da revisão para cima de aproximadamente 16%, as duas variáveis sendo estatisticamente significativas.

Ajuste de preços
Para analisar o efeito do ajuste de preços, criei a variável AJUSTE, que é justamente a diferença entre o preço de lançamento e a diferença com a média da faixa de preços. Não utilizei essa variável nas análises principais Me parece que há um problema de endogeneidade no uso dessa variável e um fator que influencia o ajuste e o retorno inicial, que é a demanda pelas ações. Ajuste para baixo e retornos negativos indicam baixa procura pelas ações, o que também se manifesta em rateios menores (ou seja, onde o investidor recebe mais ações) e na compra das ações pelo coordenador por conta da garantia firme. Dez ofertas tiveram a participação dos coordenadores comprando as ações, o retorno médio sendo de -4,06%, o ajuste de preços de -16,78% e o investidor que reserve R$ 300 mil levando quase R$ 200 mil nessas ofertas. Em comum com tudo isso, a baixa demanda.

Na análise univariada, o retorno médio das ofertas que reajustaram para baixo o preço foi de -0,58%, 3,02% quando o preço de lançamento é igual à média da faixa de preços e 12,18% quando o preço está acima da média da faixa. As diferenças de média são estatisticamente significativas ao nível de 1%, exceto entre reajuste negativo e nulo, a diferença sendo significativa apenas ao nível de 10%.

Incluir AJUSTE na análise multivariada muda a significância de duas variáveis, o volume da oferta e o retorno das últimas ofertas, ambas se tornando insignificantes. O volume é compreensível que mude, já que o ajuste para cima leva a volumes maiores e ajustes para baixo levam a volumes menores. Parte do já não muito significativo efeito do volume, então, se deve ao ajuste e não tanto ao nível do volume da oferta. AJUSTE é significativa a nível bem inferior a 1%. A minha implicância é com a interpretação desse resultado: ajustes nos preços afetam positivamente os retornos pela baixa demanda. Mas o que tornou a oferta pouco atrativa para os investidores? Incluir essa variável, me parece, significa apenas trocar uma pergunta por outra. O que está em dúvida não é se a demanda afeta o retorno, e sim se outro fator de impacto mais duvidoso, como a incerteza e as condições de mercado, influenciam os retornos. As variáveis que indicam a revisão da faixa de preços para cima ou para baixo também são indicativos da demanda, mas, acima disso, sinalizam ao mercado informações sobre a demanda em um momento em que decisões de investimento ainda podem ser feitas.

A variável RATEIO, que indica o valor investidor pelo investidor que reservasse R$ 300 mil, não foi incluída na análise junto com AJUSTE porque não se mostrou significativa. Na análise univariada, separando as ofertas pela metade em termos de rateio, as que menos sofreram rateio (onde o investidor de R$ 30 mil mais recebeu) tiveram retorno médio de 1,21% contra 7,98% da outra metade, a diferença sendo significativa.

Uma variável que foi incluída junto com AJUSTE foi o volume de negociações da ação no primeiro dia. Como a correlação é alta com o volume da oferta (90,83%) exclui essa outra variável. O efeito dessa variável é significativo e confirma que uma elevada demanda pelas ações (que acaba transbordando para o mercado secundário no primeiro dia) afeta positivamente os retornos.

Na prática
Os resultados indicam que a revisão da faixa de preços é um sinal fortíssimo. Pode parecer contraditório em um primeiro momento, mas revisões para cima, que supostamente tornariam a oferta mais cara, indicam que o retorno inicial será maior e revisões para baixo, que supostamente tornariam as ações mais baratas, indicam retorno baixo e mesmo negativo. Se ainda for possível entrar na oferta após o anúncio, esses resultados indicam que o investidor deveria entrar na que revisou para cima e ignorar a que revisou para baixo. É possível sair da oferta com a mudança nas suas características, incluindo a faixa indicativa de preços, e a revisão para baixo, mas não para cima, indica que o investidor deveria sair. Cabe a ressalva de que nem sempre a ação cai quando há revisão para baixo (caso da JHSF) e que isso se aplica exclusivamente ao primeiro dia de negociações.

Exceto em casos excepcionais, não é possível nem entrar nem sair das ofertas após seu preço ser fixado, logo, as evidências relativas ao ajuste em relação à faixa de preços não tem muita relevância prática. A única finalidade é o investidor ter uma ideia do que será o primeiro dia alguns dias antes dos inícios das negociações, sendo provável que a ação caia com o preço de lançamento sendo abaixo do esperado, e que suba caso contrário. O mesmo se aplica ao rateio.

Cabe aqui o aviso padrão de blogs e sites de investimentos: o objetivo do blog é compartilhar informações e análises, não se destina a recomendações de investimento. No caso específico dessa análise, o modelo com dados esperados (que poderia ser utilizado para prever retornos por ter dados conhecidos enquanto ainda é possível realizar reservas) possui erro-padrão de quase 8,3%. Com média de aproximadamente 4,5%, em 95% dos casos o retorno ficará entre -12,1% e 21,1%, ou seja, pode acontecer qualquer coisa! Como eu mesmo coloquei no TCC, a análise pode ser útil para entender os retornos, mas certamente pouco útil para prevê-los.

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