domingo, 28 de agosto de 2011

O acionista – Uma lição da bioética para a ética empresarial

John Hardwig
Journal of Business Ethics. Volume 91. 2010

O artigo discute o objetivo que os administradores deveriam perseguir em suas decisões, questionando a ideia de que os acionistas da empresa possuem os mesmos objetivos e que realmente o ótimo é ter apenas um objetivo para a tomada de decisões (conforme argumenta Michael Jensen).

O autor começa traçando um paralelo entre a relação de agência entre administradores e acionistas e médicos e pacientes. Nessa relação, se os agentes (médicos e administradores) devem buscar os interesses dos principais (pacientes e acionistas), os médicos não deveriam buscar a saúde do paciente acima de tudo, já que o próprio paciente não busca sua saúde acima de tudo (fumar, beber em excesso, comer mal e ter atitudes de risco mostram isso); as pessoas pesam os custos e os benéficos de seus estilos de vida e podem ter restrições religiosas a determinados procedimentos. Os pacientes possuem outros objetivos e valores além da saúde e a relação com os médicos deveriam se guiar por isso. Sem entrar nos méritos dessa discussão (que não tenho como me envolver), o argumento do autor é que o mesmo ocorre com os acionistas, que possuem outros objetivos além do lucro. Ou seja, se o administrador tem que perseguir os objetivos dos acionistas (e o autor em momento algum nega isso), mesmo assim deve pensar em outros fatores além do lucro se assim desejarem seus acionistas.

Para empresas fechadas ou pequenos empreendimentos, o problema de os acionistas possuírem outras aspirações além do lucro é mais fácil de resolver. Empreendedores, de fato, não abrem empresas apenas pelo lucro, podendo investir em negócios que gostem, que tenham mais familiaridade ou que achem socialmente valiosos. Conquanto usem o próprio dinheiro, as pessoas podem investir no que desejarem. Em empresas fechadas e, de preferência, pequenas, é mais fácil obter o “consenso informado” dos sócios, que podem ser pessoas conhecidas. Em empresas de capital aberto e disperso, isso é mais difícil.

Outra questão que surge sob esse ponto de vista são limitações à ação da empresa. Os acionistas podem se opor às práticas ambientais, comerciais e trabalhistas da empresa, por exemplo. Um problema que surge dessa abordagem é a de haver um critério para a tomada de decisões, ponto muito enfatizado por Jensen. E, de fato: seguindo alguns dos exemplos do autor, há investidores preocupados com emissões de gases estufa, outros nada preocupados e outros que negam que a ação do homem tenha influência no clima; há investidores que podem simpatizar com a situação dos trabalhadores chineses, e outros que veem que não há o que a empresa possa fazer; há os que poderiam se preocupar com a terceirização para outros países, e outros que veem que isso traz benefícios para o país. Como conciliar as diferentes opiniões e valores dos diferentes investidores?

A solução seria os próprios acionistas influenciarem as decisões da empresa com o poder de voto que têm. Mas há o problema do acionista ficar sabendo que há alguma questão que afronte seus valores dentro da empresa. Na analogia médica, há o problema do paciente saber dos diferentes tipos de tratamento para então decidir qual prefere, o que é algo trabalhoso. Uma solução é a empresa fornecer informações aos investidores por meio de declarações de missão, visão, valores e por meio de relatórios sociais, o que já se faz muito hoje em dia. Outra seria a monitoração de organizações independentes, o que também já é praticado. O autor sugere como um dever ético dos administradores de buscar o “consenso informados” dos acionistas e tomar decisões baseados nisso. Porém, a forma como isso é operacionalizado continua indefinida, sem que o autor conseguisse admitidamente fornecer critérios mais precisos.

Por fim, o autor argumenta que simplesmente aceitar que os administradores devem buscar maximizar o lucro serve de um “feriado moral” para os próprios acionistas que não se veriam na necessidade de saber de onde os lucros veem e se tornam agentes amorais. Assumir que os investidores tenham apenas um objetivo e que esse é a maximização de lucro tiraria, na visão do autor, as responsabilidades dos acionistas. Segundo o autor, os acionistas devem ter preocupação de como os resultados da empresa são gerados. E, na prática, os investidores incorporam os seus valores em suas decisões, deixando de investir em “ações pecadoras” preferindo ações de empresas tidas como “sustentáveis”, investindo em fundos “socialmente responsáveis”, deixando de investir em empresas estatais (para os libertários), entre outras possibilidades.

Na minha opinião, o artigo tem dois pontos fracos. O primeiro é que, diferente de pacientes, os investidores podem diversificar a forma de usarem seu dinheiro. As pessoas possuem apenas uma saúde, apenas um corpo e uma decisão que afete uma parte do corpo afeta as demais (infelizmente para muitos, não é possível separar o fígado do resto do corpo). Mas o dinheiro é divisível, a pessoa podendo (por exemplo) dividir igualmente um quinto da renda para investir em ações de diversas empresas e doar um quinto da renda para aquilo que mais atrair a sua simpatia (hospital, escola, biblioteca etc.). Certamente que os acionistas, pessoas que investem em ações, têm outras preocupações além do dinheiro, mas podem atender a várias dessas áreas de forma independente. Não tem porque o acionista querer gastar dinheiro dos outros acionistas em causas que sejam de sua simpatia e não necessariamente de outros.

A outra fraqueza é desconsiderar que o administrador pode não tomar decisões pensando em um acionista específico (exceto se esse tiver uma grande participação), nem no investidor médio, mas no investidor marginal, aquele que mais influencia os preços. De fato, muitas das teorias em finanças parte da premissa da existência de um investidor marginal e as decisões são analisadas na margem. Para decidir sobre um investimento produtivo, deveria ser levado em conta o fluxo de caixa que esse investimento adiciona, os desembolsos necessários e o custo de capital da empresa. Alguns investidores podem ter restrições a esse investimento (e a ação pode se desvalorizar caso essas seja uma percepção coletiva), preferindo mais dividendos presentes do que dividendos futuros que um bom projeto geraria, por exemplo. Mas o que deveria importar é a geração de valor de longo prazo que o administrador espera do projeto, e não as preferências de um ou outro acionista. De outra forma, a empresa seria impossível de ser administrada.

O meu resumo é que os acionistas, como pessoas reais (nas palavras do autor), possuem outras aspirações além de fazer dinheiro, mas, por poderem cuidar desses outros fatores de outra maneira que não através da empresa, ainda é um bom guia para as decisões da empresa a maximização de valor, investir em projetos com valor presente líquido positivo. Não necessariamente há o conflito entre geração de valor econômico e geração de valor social (conforme argumentam Porter e Kramer). Quando há, o próprio administrador pode restringir a ação da empresa, talvez colocando o cargo em risco, ou os acionistas podem se opor a isso, se assim desejarem (tema para futuros textos).

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