domingo, 10 de julho de 2011

Retornos: Comparando o incomparável

Foi publicado há pouco um artigo no Valor (e também no site da Exame) que pretendia ensinar estratégias para reduzir o risco de investimento em ações e que, ainda por cima, não reduziria o retorno. Foram citadas quatro “alternativas” para investir no Ibovespa (dolarizado):

A : investir US$ 100 no primeiro período
B: investir US$ 100 por 10 anos e resgatar tudo ao final do período;
C: investir US$ 100 por 10 anos, manter o investimento resgatando em parcelas proporcionais por 5 anos;
D: investir US$ 100 por 16 anos, manter o investimento resgatando em parcelas proporcionais por 8 anos.

O retorno de A é o menor, o de B maior do que o de A, mas o risco também, C tem maior retorno e menor risco do que os outros e D tem um retorno parecido com C, mas muito menos risco.

O grande problema é essa última comparação, feita sobre quatro situações distintas e incomparáveis. Isso pode ser entendido personalizando as situações. A pessoa A tem, por exemplo, US$ 100 disponíveis para investir hoje e esse é todo o investimento que poderá fazer, enquanto que a pessoa B tem apenas US$ 100, mas terá US$ 100 em cada um dos próximos 119 meses. A situação é incomparável porque o valor presente das duas alternativas é diferente. Mesmo que A investisse US$ 12.000 (100 X 120), o valor presente ainda seria diferente. Não há base de comparação entre A e B e não faz sentido analisar qual das “alternativas” é melhor simplesmente porque não há alternativa. Se B tiver o melhor desempenho, A não poderá agir como B, porque não pode investir periodicamente, tendo disponível um certo valor para investir hoje. Poderia ao invés de investir US$ 100 de uma vez investir US$ 8,33 a cada mês, mas isso não é a mesma situação de B, que não tinha esse valor disponível na data 0. E note que isso se configuraria na estratégia do custo médio e o retorno seria menor porque menos capital estaria rendendo, mas o cálculo da rentabilidade se aplica sobre todo o capital disponível. A poderia fazer um esforço maior para poupar periodicamente. Um A que tivesse US$ 100 para investir hoje poderia buscar poupar mais. Porém, A deve saber que, se fizer isso, terá um montante superior do que se tivesse investido apenas US$ 150 na data 0, e isso não o seduziu. Por que uma taxa interna de retorno maior e com mais risco (o retorno de B) seria mais atrativa? Um A com capital de US$ 12.000 poderia poupar periodicamente, mas essa seria a situação de um aporte inicial de X seguido de aplicações mensais de X/120, que configura outra situação. E se A fosse melhor, B não poderia ao invés de investir periodicamente realizar um único aporte, simplesmente por não ter esse dinheiro na data 0. Poderia se endividar e, ao invés de poupar, usaria o dinheiro que receberá nos próximos meses para pagar a dívida. O retorno dessa opção depende da taxa de juros do empréstimo e configura outra situação incomparável com as anteriores.

Supondo por um instante que A e B sejam comparáveis (talvez supondo que A aceite poupar mais nos próximos 119 meses), além de não haver dominância entre as duas alternativas (B tem maior retorno e maior risco), o retorno final dependerá muito dos retornos ao final do horizonte de tempo. Isso ocorre porque para a média (caso de A), não importa quando uma alta ou baixa expressiva ocorre, o peso é o mesmo na média. Já para B, com retorno calculado pela taxa interna de retorno, os retornos mais para o final do período de aplicação têm impacto maior, porque incidem sobre um capital maior. Há um efeito retardado na TIR de uma grande baixa ou alta que ocorra na data 1 de uma carteira, que terá impacto mínimo nessa carteira, mas maior influência nas próximas carteiras, sendo máximo na carteira que termine nessa data. Em B, os retornos dos últimos 60 meses (na metade do período de aplicação) tem correlação de 86,52% com as médias finais. Já a correlação entre o retorno médio dos 60 primeiros meses é de -17,68% e as maiores correlações são com os primeiros 120, 119 meses (ou seja, com todos ou quase todos os primeiros meses), ou seja, os primeiros retornos têm efeito baixo, contrariamente ao que ocorre com os últimos. Mesmo que se possa escolher entre ser A ou B, o investidor B deverá torcer para que os retornos nos últimos 60 meses sejam maiores do que nos primeiros 60 meses para poder superar A.

A e B possuem horizonte de tempo de 10 anos. C tem US$ 100 para investir hoje, US$ 100 para investir nos próximos 119 meses e irá desinvestir aos poucos para os 60 meses após o 120º mês, tendo, portanto, horizonte de tempo de 15 anos. Se C tiver desempenho superior, B até poderia pensar em copiá-lo, já que eram gêmeos até o 120º mês, porém, isso modificaria a sua situação e estenderia seu horizonte de tempo. E se B não quiser ou não puder continuar mais cinco anos investindo em ações? D é uma quarta situação diferente, tendo US$ 100 para investir hoje, US$ 100 para investir nos próximos 191 meses e tendo ainda 96 meses após o 192º para desinvestir aos poucos, tendo, portanto, horizonte de tempo de 24 anos. C e D não são comparáveis, não só por terem horizontes de tempo total diferentes, porque o tempo de aplicação é diferente. Se D for superior, C não poderia emulá-lo, já que não teria dinheiro para investir por mais 72 meses.

É possível fazer modificações em B para tornar a situação comparável com C e D. A comparação é possível quando há um mesmo calendário de aplicações (portanto, mesmo valor presente) apesar de terem calendários diferentes de resgate, desde que terminem na mesma data. Como dito, B e C são gêmeos até o mês 120. Ao invés de sair, o “B 180” (B com horizonte de tempo de 180 meses) continuaria investindo, mas, diferente de C, manteria todo o capital aplicado. Daí temos uma situação comparável, já que C pode emular B 180 se os resultados mostrarem que isso é melhor e vice-versa. A situação não é inteiramente comparável em termos de utilidade, já que não se sabe a preferência por consumir periodicamente entre os meses 120 e 180 ou tudo de uma vez em 180, mas ainda assim é possível comparar rentabilidades. Como o autor buscava a alternativa para aumentar retornos e reduzir risco, a comparação faz sentido; C não age da maneira como age porque necessita de fluxos de caixa periódicos, e sim para aumentar seu retorno e/ou reduzir seu risco. C teve retorno médio de 14,01% com risco (desvio-padrão dos retornos finais) de 7,09% enquanto B 180 teve retorno médio de 13,60% e risco de 7,01%. Além de não haver dominância entre as alternativas, não se pode descartar estatisticamente que as duas médias sejam idênticas (p-valor 0,23).

D também pode ter um par comparável, que é B 288+. Esse B 288+ irá investir por mais 72 meses do que B e depois irá continuar investido no mercado, mas sem aumentar o seu capital, para desinvestir apenas no 288º mês. O retorno médio de D foi de 14,47% com risco de 3,14%, enquanto B 288+ teve retorno médio de 14,46% e risco de 3,03%. Com margem tão apertada, até seria possível dizer que B 288+ é preferível a D, mas as médias são estatisticamente idênticas (p-valor 0,97!).

Logo, a superioridade de D sobre A, B e C é mais uma questão de horizonte de tempo do que de calendários de aplicação e de resgate, na medida em que, se alguém é superior a todos, ignorando a incomparabilidade, esse seria B 288+. A questão deixa de ser de estratégias de criação de carteira e passa a ser a de retornos de longo prazo e se investir com horizonte de tempo longo é garantia de retornos positivos. Essa é uma discussão mais complexa a ser deixada para outro momento.

Ressaltei que se trata de comportamento médio, mas ao longo do tempo o comportamento dos dois pares de estratégias diverge entre si. O gráfico abaixo mostra o retorno médio das carteiras B 180 e C. O eixo x indica a data de término da carteira.



Também está no gráfico a média de 180 meses, não tanto para fins de comparação (A 180 continua não sendo comparável a B 180), mas para ilustrar um comportamento das carteiras, especialmente C. É de se observar (principalmente no começo e no fim do gráfico) o efeito retardado principalmente da carteira C, onde há períodos em que a média cai, mas os retornos de C sobem e vice-versa, como visto no caso da carteira B, com a complicação adicional de haver o período de resgate.

Para a carteira C, a correlação da taxa final com os últimos 120 meses (60 de desinvestimento, metade da aplicação) é de 54,03%, uma das maiores correlações. As maiores correlações envolvem períodos um pouco superiores à metade do período de aplicação. Observando-se apenas o período de aplicação, a correlação levando em conta os 60 últimos meses é de 46,29%, não sendo das maiores. Analisando os retornos do mercado nos primeiros meses, a correlação com os 120 primeiros meses é de 37,63% e aumenta expressivamente a partir desse ponto. Ou seja, os retornos do mercado no período de desinvestimento (ao final) influenciam mais a média do que os retornos no começo do período. D provavelmente tem um comportamento semelhante (não fiz as contas). Dessa forma, C deve torcer para que os retornos no período de desinvestimento e nos últimos meses de investimento sejam muito positivos para levar vantagem sobre B 180. C superou B 180 em 48,81% das vezes no período analisado. Cabe ressaltar que, devido a esse efeito retardado mais pronunciado em C, todo período escolhido para análise pode ser enganoso, já que com mais alguns meses a média de C cairia ou subiria pelo efeito retardado dos retornos passados, independente das novas observações incluídas na média serem altistas ou baixisitas.

O artigo havia comparado quatro situações incomparáveis, envolvendo diferentes situações. A só tem a alternativa de investir no período 0, B só tem a alternativa de investir periodicamente em 120 meses. C age como B, mas tem horizonte de tempo de 180 meses, diferente de A e B, e D age como C, mas tem horizonte de tempo de 288 meses, incluindo um período de aplicação diferente de C. Não é possível dizer que uma das situações é melhor, porque não é possível trocar de situações. Duas situações comparáveis foram criadas, entre C e B que estenda seu horizonte de tempo para 180 meses e que retira seu capital apenas ao final do período (ao contrário de C, que retira aos poucos) e entre D e B que estenda seu horizonte de aplicação para 192 meses e retire seu capital no 288º mês (diferente de D, que retira aos poucos). A conclusão é que manter aplicado e tirar tudo ao final do mês ou resgatar aos poucos têm médias idênticas, não fazendo diferença (em termos de rentabilidade) qual alternativa escolher.

E seria estranho que fosse diferente, ou seja, que haja uma estratégia absolutamente ingênua (aplicar periodicamente, resgatar aos poucos etc.) para obter retornos superiores com risco menor sem qualquer habilidade especial para superar o mercado. Uma interpretação condescendente da hipótese de mercados eficientes é que até é possível superar o mercado, sendo necessário, porém, uma vantagem competitiva sobre os demais participantes do mercado. As sugestões fornecidas e analisadas não indicam qualquer vantagem competitiva. Por fim, a melhor relação que o investidor pode ter com o risco do mercado de ações é aceitar que ele existe e, se for muito avesso a risco, reduzir a quantidade de risco a que se expõe investindo menor parcela do capital em ações. Qualquer fórmula para reduzir o risco sem reduzir o retorno é suspeita a priori, e a sugestão aqui analisada não se mostrou diferente.

Isso tudo não significa que investir periodicamente seja ruim, tampouco que seja bom. Tudo depende das alternativas disponíveis. Juntando com a discussão sobre custo médio, se o investidor tem um valor presente que deseja investir em ações, deve aplica-lo tudo de uma vez. Se achar muito arriscado, se tem medo de pegar uma fase ruim do mercado, deveria repensar a quantia que deseja aplicar e investir menos. Fazer custo médio, na maioria dos casos, será pior. Se tiver possibilidade de aumentar seu investimento com aportes periódicos, deve fazê-lo. Na hora de resgatar o dinheiro investido, o investidor não deveria se preocupar com a sua taxa interna de retorno, e sim com o que fará com seu capital. Se precisar ou desejar do dinheiro todo imediatamente, deve fazê-lo, sendo que, obviamente, provavelmente terá menos dinheiro do que se mantivesse posicionado. Se precisar ou desejar só no futuro, e não quiser fazer resgates periódicos, pode mantê-lo por mais tempo até querer resgatar todo. Ou, por fim, pode ir retirando aos poucos. A essa altura do campeonato (mês 120 ou 192), a última coisa que interessa ao investidor é a sua TIR em relação aos últimos anos, e sim o que ele vai fazer com o dinheiro acumulado.

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