quarta-feira, 6 de julho de 2011

Capitalismo de Laços

O livro trata da análise de como funcionam as empresas brasileiras em termos de suas estruturas societárias e suas relações com outras empresas e com o governo. O que se constata é que o capitalismo brasileiro é “de laços”, conforme indica o título do livro, um emaranhado de relações públicas e privadas em um “mundo pequeno”.

O primeiro capítulo começa com um caso bem emblemático do entrelaçamento entre o público e o privado, as relações entre Eike Batista e o governo federal, com o financiamento à campanha da candidatura brasileira às Olimpiadas de 2016, à campanha presidencial de 2006 e ao filme sobre a vida do ex-presidente Lula. Em seguida, trata das pressões do governo sobre a Vale para que a mineradora investisse em siderurgia, tendo como principal opositor à esse plano o agora ex-presidente Roger Agnelli. Batista participou dessa pressão (propositalmente ou não) ao buscar adquirir o controle da companhia negociando com a Bradespar e com a Previ, o fundo de pensões dos funcionários do Banco do Brasil, sob influência direta do governo federal e que havia participado (junto com o BNDES) da privatização da mineradora. No fim, Agenlli cedeu às pressões e anunciou investimentos em siderurgia. As empresas do grupo EBX recebem vultuosos financiamentos do BNDES, “o melhor banco do mundo”, segundo o empresário.

Essa introdução da introdução mostra do que o livro tratará, dos emaranhados de relações (Vale – Previ – Bradpespar – BNDES – Governo – Eike Batista...) entre grupos privados domésticos, governo e entidades públicas e o sistema político. Nas palavras do autor, o livro trata do capitalismo de laços, o “emaranhado de contatos, alianças e estratégias de apoio gravitando em torno de interesses políticos e econômicos”. O autor trata de pontos positivos não mais do que naturais de laços entre participantes privados da economia, mas tratará muito ao longo do livro da interferência do estado na economia. Em inglês, falam de crony capitalism de uma maneira semelhante, sendo uma possível tradução “capitalismo de compadrio”, que mostra melhor o aspecto negativo dessas relações.

Essas relações entre público e privado não são novas, tendo relações com o conceito de patrimonalismo (a mistura do público com o privado) e com o livro Os donos do poder de Raymundo Faoro. Na abordagem do autor, os donos do poder são os “que se inserem e se articulam em um emaranhado de laços corporativos entre atores públicos e privados”.

Análise de redes
O autor realizou uma pesquisa bastante extensa das estruturas acionárias das empresas para construir as análises feitas ao longo do livro. Os anos de pesquisa foram 1996 (durante o processo de privatização), 2003 (após as privatizações) e 2009 (ano mais próximo ao atual e contando com o efeito das aberturas de capital que tomaram força em 2004). Foram analisadas 804 empresas de capital aberto e as maiores de capital fechado. O autor tomou cuidado de sempre procurar o dono último, sendo que há muitas estruturas societárias piramidais, onde o controle de uma empresa é detido por outra empresa que por sua vez pode ser controlada por uma terceira que é propriedade de uma ou mais pessoas físicas.

A metodologia dos estudos é a de análise de modelos de redes, mais especificamente modelos de “mundos pequenos”, examinando as conexões entre acionistas em diferentes empresas, com alguns participantes (a Previ, por exemplo) possuindo participações em diversas empresas e se conectando indiretamente com outras empresas através de posições acionárias em comum. Isso gera o coeficiente de agrupamento (grau em que os donos se aglomeram por meio de participações conjuntas nas mesmas empresas), distância entre os participantes (quão facilmente um ator pode acessar o outro por meio de laços diretos e indiretos). O conceito de mundo pequeno junta a aglomeração com a conectividade: os participantes se aglomeram, mas mantém uma curta distância com outros grupos através de conexões entre aglomerações por meio de indivíduos de ligação. O índice de mundo pequeno é a divisão do coeficiente de agrupamento pela distância entre os participantes e diz-se que há um “mundo pequeno” quando esse índice é muito maior do que seria se os participantes se agrupassem ao acaso. Esse indicador subiu de menos de 30 para algo próximo de 40, indicando um maior grau de a aglomerameração entre proprietários.

Mas, dentro de uma rede, alguns participantes são mais influentes do que outros. A análise dessa influência é feita por meio do cálculo da centralidade de Bonacich, que mostra qual participante de uma rede está mais conectado direta e indiretamente com outros participantes. Os números mostram que o grupo mais influente em 1996 é o de fundos de pensão de estatais, o segundo é o de entidades governamentais (BNDES), o terceiro investidores institucionais e fundos privados, o quarto indivíduos e famílias e os últimos os imperialistas malvados firmas e investidores estrangeiros. Com a privatização a influência dos fundos de pensão e do BNDES aumentou expressivamente (bem mais do que duplicou) em 2009, o do capital estrangeiro também (ao nível mais ou menos igual ao de indivíduos e famílias em 1996, ou seja, de muito pouco para pouco), os indivíduos e famílias ficaram em quarto lugar e investidores institucionais e fundos privados ficou em último, esses dois grupos perdendo influência no espaço de 13 anos.

Por que o poder estatal aumentou? Privatizações não são algo muito palatável ao público por isso, para amainar o clamor popular, buscou-se aumentar o valor das vendas. O principal método de venda foi o uso de consórcios, a maioria mistos (público e privado), o BNDES e os fundos de pensão de estatais assumindo um grande papel no processo. Havia sempre uma parcela privada (Bradesco no caso da Vale, por exemplo) aliada à parcela pública, o que aumentou a influência do governo sobre os entes privados que participaram desse processo. As privatizações que envolveram exclusivamente estrangeiros (Banespa-Santander e Telesp-Telefônica, por exemplo) não aumentaram a influência dos estrangeiros já que esses grupos se limitaram ao setor de atuação. Logo, o governo continuou influenciando as empresas privatizadas (ou pseudoprivatizadas) e aumentou o seu raio de influência através das conexões que os consórcios criaram e através da expansão dos investimentos em renda variável (ou seja, entrada no capital social das empresas) nas empresas privadas.

Assim, o governo está mais influente depois do que antes das privatizações porque aumentaram as suas conexões com outros participantes. As consequências são que representantes do governo ocupam grande espaço nos conselhos de administração das empresas supostamente privatizadas (com isso, influenciando diretamente essas empresas). Em negócios que estão ocorrendo hoje em dia (Usina de Belo Monte e Trem-Bala, por exemplo) utiliza-se do mesmo expediente das privatizações, envolvendo uma parte privada e outra pública na forma do BNDES e dos fundos de pensão. Os fundos de pensão participaram ativamente da fusão Telemar-Brasil Telecom e na criação da Brasil Foods, tendo em comum o desejo governamental de criar grandes empresas nacionais. Ou seja, as privatizações aumentaram a influência do governo, ao aumentar a influência sobre outros participantes, e isso tornou “possível confrontar outros acionistas, cooptar aliados ou aumentar a voz nas decisões da empresa”. O governo está com maior poder de influenciar as decisões das empresas, tanto as pseudoprivatizadas quanto as demais.

O processo de privatizações de empresas estatais ocorrido na década de 1990 deu a impressão que a participação do estado na economia diminuiu. O que o autor argumenta é que isso não ocorreu, que, apesar do controle das empresas ter sido vendido, o governo, diretamente e indiretamente através dos fundos de pensão, mantém grande influência nas empresas privatizadas.

Relações empresas-governo
O terceiro capítulo trata das relações entre empresas e governo. O primeiro ponto a ser notado é que as empresas buscam contatos com o governo mais para a obtenção de benefícios privados do que coletivos (para todas as empresas de um setor) em relações clientelistas. Esse contato pode ser feito através das participações mútuas, conforme descrito anteriormente, ou com empresários fazendo parte de um governo e desenvolvendo uma série de contatos governamentais. Outro mecanismo bastante utilizado é o de doações para campanhas políticas que pode se reverter em benefícios diretos ou indiretos para as empresas doadoras, de forma legal ou ilegal, frequentemente imoral e não raro envolvendo financiamento irregular de campanha. Há evidências de que doações a campanhas é um bom investimento, conforme comentado no livro e neste blog, aqui e aqui (alguns dos artigos que comentei também foram analisados no livro). Um desses (Claessens et al. (2008)) analisava a relação entre doações e a alavancagem das empresas e o autor acrescenta algumas informações, fazendo notar que a concessão de crédito em relação ao PIB no Brasil é (relativamente) baixa (ou seja, o crédito é escasso), que boa parte dos recursos é direcionada por leis (FGTS, FAT etc.) e que os bancos estatais participam com parcela significativa da concessão de crédito, mostrando o valor da conexão política para a obtenção de crédito, conforme concluíram Claessens et al. (2008). Parte importante do financiamento a empresas no Brasil, o BNDES entra nessas relações público-privada nem sempre com critérios meramente técnicos. As empresas buscam relações com o governo para proteção ou para ter acesso a oportunidades especiais, isso gerando um custo adicional às empresas (que pagavam um “pedágio”), mas principalmente para os pagadores de impostos (eufemisticamente chamados de contribuintes), talvez para quem venha a usar os bens públicos (no caso de acesso privilegiado a projetos de investimentos públicos) e pode ser uma má alocação de recursos (se as empresas que buscam ajuda governamental forem ineficientes).

Relações entre empresas
Além de proprietários de empresas se aglomerarem participando do capital de várias empresas e formando laços, as próprias empresas participam do capital de outras empresas criando laços entre si. Isso se manifesta em criação de empresas por meio de consórcios (a CCR Rodovias, por exemplo) ou de grupos econômicos (uma empresa atuando em vários setores).

Um primeiro ponto sobre grupos econômicos é que os grupos estatais (como a Petrobras, uma empresa atuando em vários setores) representavam 38% da receita dos 20 maiores grupos em 2009 e os grupos estrangeiros (desconsiderando a Ambev) apenas 19%, rejeitando novamente a desestatização e a desnacionalização. Alguns grupos se envolvem em vários negócios, relacionados ou não, outros são mais focados, em especial os estrangeiros.

O autor passa a analisar os motivos da criação de grupos. Um primeiro motivo, o positivo, é o de minimizar os custos de transação, na medida em que os grupos podem desempenhar atividades que poderiam terceirizar, mas que são mais eficientes em termos de custo e dinheiro se forem feitas internamente. A empresa escolhe as atividades mais vitais e investe nelas, podendo criar empresas que podem atender outras além da sua matriz, e terceiriza as demais. Além de menos eficiente, fornecedores externos podem ser menos confiáveis e a empresa pode ter que internalizar uma atividade de forma a garantir a sua execução. Esses fatores também dirigem a lógica de fusões e aquisições. Outra possibilidade é a empresa ter que desenvolver algo que o mercado não oferece, como infraestrutura.

Há aspectos negativos relacionados à formação de grupos. O primeiro é que grupos podem ser utilizados para a extração de benefícios privados por meio de transações com partes relacionadas, onde uma empresa do grupo negocia com outra parte em condições bem favoráveis, beneficiando o acionista em comum dos grupos e o acionista da empresa que ganha com a transação às custas do acionista apenas da empresa perdedora. Algo que possibilita essa extração de benefícios privados é a estrutura piramidal, que poderia possibilitar uma empresa ter 51% do controle da empresa detendo apenas uma parte do capital social.

Outro benefício de atuar em vários setores é aproveitar oportunidades que surjam. Algumas são legítimas e surgidas da dinâmica do mercado. Outras surgem de intervenções governamentais, como leis limitando a competição externa (como a Lei de Informática) ou favores governamentais para “estimular” um determinado setor. Outra possibilidade é se valer das licitações, que podem ocorrer em vários setores e a empresa deveria ter a flexibilidade para aproveitar essas oportunidades (e a coisa fica ainda melhor quando há contribuições para campanhas políticas). Para melhor aproveitar essas oportunidades, criam-se grupos econômicos diversificados; o valor das conexões políticas é maximizado quando pode ser utilizado em diversos tipos de projetos.

A criação de grupos e a interação constante de empresas que possuem participações acionárias comuns em outras empresas também produzem efeitos anticompetitivos, com a maior facilidade de combinação de preços (de forma não oficial através de interações repetidas conforme a Teoria dos Jogos) e com a redução da competição, principalmente quando se forma consórcios para um determinado projeto público (que poderia ser alvo de competição das empresas individualmente) ou quando uma empresa evita entrar no mercado de outra quando há ligação acionária entre as duas.

Estrangeiros
Nas privatizações da década de 1990, em especial da Telebrás, um grande temor era o de que as empresas estrangeiras imperialistas se apoderassem dos ativos brasileiros e passassem a mandar na economia brasileira. A teoria da dependência estabeleceria que os países subdesenvolvidos, na periferia do capitalismo, sem capital ou tecnologia, ficariam dependentes do capital e da tecnologia dos países desenvolvidos e a relação centro-periferia seria a de que os países subdesenvolvidos exportariam matéria-prima e importariam produtos industrializados de maior valor agregado. A solução para romper esse ciclo de dependência seria as economias subdesenvolvidas se fecharem ao capital estrangeiro para poderem se desenvolver. Mesmo quando empresas estrangeiras se instalam no país, os lucros desses empreendimentos seriam revertidos para as matrizes, haveria pouca transferência de tecnologia e a contribuição ao desenvolvimento local seria baixa.

Sem entrar no mérito dessas teorias, o primeiro ponto é que muitas empresas estrangeiras enfrentam dificuldades quando entram em outras regiões por não conhecerem bem o ambiente de negócios e assim tendo uma desvantagem em relação às empresas locais. Um exemplo brasileiro é o setor bancário, onde grandes bancos estrangeiros falharam em adquirirem posição de destaque no mercado local, a exceção sendo o Santander, muito por conta da aquisição do ABN Amro, que por sua vez adquiriu um grande banco brasileiro, o Real. O segundo ponto é que os estrangeiros acabaram se enredando nas estruturas societárias piramidais que existem no Brasil (e em outros países), o autor analisando o caso da Telesystems International Wireless (TIW) que participou de consórcios com sócios locais em leilões de privatização da Telebrás, tendo, no fim, “tomado um chapéu” e tendo que se desfazer no negócio a 18% do valor investido. Para obter êxito no Brasil, a empresa estrangeira ou compra um negócio estabelecido e nele permanece (caso da Telefônica e do Santander) ou tem que aprender a lidar com o capitalismo de laços analisado ao longo do livro, ou seja, tem que saber se relacionar com os sócios domésticos (como a Mitsui na Vale e Nippon Steel na Usiminas conseguiram, ambas empresas vindas de um país com grandes conglomerados empresariais, o Japão) e suas pirâmides societárias e tem que ter bom trato com o governo. E, como visto anteriormente, a influência dos estrangeiros nas redes de relacionamento entre os detentores de capital é baixa.

Novatas da bolsa
O último grupo de empresas analisado pelo autor foi a das que abriram capital entre 2004 e 2009. A chamada onda de abertura de capital ocorrida no período acrescentou diversas empresas ao grupo das empresas com ações negociadas em bolsa e algumas características positivas foram vislumbradas. Primeiro que possibilitou a criação de novas empresas e o crescimento de empresas menores e menos conhecidas do que os grandes grupos econômicos, alguns que já tinham ações em bolsa. Segundo que houve mudanças na governança como uma maior pulverização em muitos casos e o revigoramento do Novo Mercado, muitas das IPOs do período ocorrendo com as empresas aderindo ao superior padrão de governança. Isso sugeriria mudanças inclusive nos aspectos tratados no livro, ao acrescentar novos empreendedores e novos investidores no “mundo pequeno” dos negócios, terminando por “expandir” esse mundo pequeno.

O que o autor mostra é que muito pouco mudou, em verdade. Verne et. al. (2009) mostram que 60% das empresas que abriram capital entre 2004 e 2007 tinham pirâmides societárias, 44% tinham controle familiar e estrangeiros entraram como controladores em apenas 20% dos casos. O governo (incluindo BNDES) aparece como um acionista importante em 15 das 103 (pelo que contei no quadro do apêndice 1) empresas. Há também o papel dos bancos coordenadores documentado em Santos et. al. (2010), que ou eram acionistas ou mantinham outros negócios anteriores com as empresas que assessoravam, incluindo casos de graves conflitos de interesses como o da Agrenco. Por fim, há a questão dos conselhos entrelaçados, onde um membro do conselho de administração (CA) participa em conselhos de diversas empresas. Em análises parecidas com as realizadas no capítulo 2, o autor mostrou que esse entrelaçamento existe entre as empresas brasileiras e é até mais forte para as empresas que abriram capital pós-2004, muito por conta da exigência do Novo Mercado de haver conselheiros independentes, o que levou muitas empresas a chamarem as mesmas pessoas. Firmas de Private Equity também participaram da onda de IPOs (inclusive com duas delas; GP e Tarpon, realizando suas próprias ofertas), o que as levou diretores dessas firmas a participarem do conselho de algumas das empresas e criou diversos laços societários e interpessoais com outras empresas. Ou seja, tudo consistente com a descrição do capitalismo de laços realizadas nos capítulos anteriores do livro.

Resumindo, o livro mostra como é o capitalismo brasileiro, um mundo pequeno com várias interconexões entre empresas tendo o governo como um nó central de grande presença mesmo em empresas privadas. O autor vê aspectos positivos e negativos desses arranjos, especialmente na formação de consórcios e na participação do governo nas empresas. Do lado positivo, consórcios permitem a junção de recursos de seus participantes e o governo fornece capital de longo prazo a custo menor (não que o custo desapareça, mas que é suportado pelo pagador de impostos); do lado negativo, conflitos societários, diminuição da competição e más decisões por influências políticas. Apesar de condescendente com essa situação, o autor descarta que seja necessário mais “entrosamento” entre governos e empresas ou maior ênfase em grupos domésticos e aglomerações privadas, já isso já ocorre no Brasil em grau não visto em outros países. O livro termina com algumas sugestões para o futuro: mais transparência do governo (em especial, do BNDES) e das empresas (e suas pirâmides societárias), isolamento político de entidades governamentais (o autor cita os fundos de pensão) e de interesses privados de doadores de campanha, redução generalizada dos custos de transação (grandes empresas formando consórcios podem reduzir os custos de transação, mas não as menores ou mesmo novos empreendimentos) e combate às condutas anticompetitivas de muitas das práticas analisadas no livro. Porém, como o próprio autor admite e como os fatos recentes demonstram, será difícil mudar essa cultura tão profundamente enraizada.

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