segunda-feira, 13 de junho de 2011

Caixa e risco de crédito

Viral V. Acharya, Sergei A. Davydenko e Ilya A. Strebulaev
Nber. Abril, 2011

É muito intuitiva a relação negativa entre caixa e risco de crédito, com empresas que mantêm maior caixa possuindo menor risco de inadimplência. Mesmo que a empresa não gere muito caixa, pode suprir suas necessidades de liquidez utilizando o caixa já existente, o que reduz a probabilidade de não conseguir pagar o que deve. Porém, diversos estudos, como os citados pelos autores, incluindo Begley, Ming, and Watts (1996), Shumway (2001), Hillegeist et al. (2004), Ohlson (1980) e Zmijewski (1984) mostram relação positiva entre caixa e inadimplência. Os autores, teórica e empiricamente, analisam essa situação.

Invertendo a ordem, a segunda parte do artigo realiza testes empíricos com títulos corporativos americanos no período entre 1996 e 2003. Os primeiros resultados empíricos estão em linhas com os estudos anteriores. A primeira análise é sobre o spread, a diferença do rendimento do título e o rendimento de títulos governamentais que não pagam cupom com o mesmo fluxo de caixa prometido (STRIPS). São levados em conta fatores que espera-se que afetem o spread, a liquidez sendo a principal variável, medida pelo Caixa/Ativo Total, ou pelo Capital de Giro/Ativo Total ou a Liquidez Circulante. São também considerados a alavancagem, a volatilidade dos ativos da empresa (não das ações), o tamanho e o tempo até o vencimento. Os resultados confirmam a relação positiva entre liquidez e risco de crédito (spread), sendo que os demais resultados estão em linha com a intuição, a alavancagem, a volatilidade e o tempo até o vencimento afetando positivamente o spread (aumentando-o) e o tamanho negativamente (reduzindo-o).

Os autores conjecturam que há um problema de endogeneidade. Talvez o risco não aumente por causa do caixa (como os resultados mostraram que pode acontecer), havendo um fator que aumente o caixa sem afetar o risco. Para testar essa possibilidade, recorre-se a regressões com variáveis instrumentais, escolhendo fatores que afetam a variável independente (liquidez, por exemplo), mas não a dependente (spread). A primeira variável é as oportunidades de investimento, o que aumenta o caixa, mas não deve afetar o risco, a variável sendo aproximada pelos gastos em P&D em relação à receita do setor do emissor. A segunda é o fator de agência, com os administradores podendo manter maior caixa para evitar problemas financeiros que colocariam em risco seu salário, seu bônus, suas ações, suas stock options e seu cargo, os administradores em empresas com maior probabilidade de terem tais problemas sendo mais tentados a adotar esse comportamento, a variável sendo aproximada pelo valor da remuneração dividido pelo valor de suas posições (ações e opções) na empresa. A análise muda o efeito da liquidez no spread, dessa vez com maior liquidez afetando negativamente o spread. Considerando as oportunidades de investimento e os interesses dos administradores, a intuitiva relação entre spread e caixa/liquidez se estabelece.

A próxima etapa é analisar a ocorrência de inadimplência. A variável dependente é uma dummy com valor 1 se a empresa teve algum evento de inadimplência (atraso no pagamento, pedido de recuperação judicial, renegociação etc.) nos três próximos anos e 0 do contrário. A liquidez é medida pela relação Capital de Giro/Ativos, pela liquidez circulante e pela liquidez seca (para quem tiver curiosidade, em inglês é current ratio e quick ratio, respectivamente). As variáveis de controle são as relações Lucro Retido/Ativos, EBIT/Ativos, Valor de mercado das ações/Valor contábil dos passivos exigíveis, Receita/Ativos, Lucro/Ativos, Valor contábil dos passivos exigíveis/Ativos e o EDF (Expected Default Probability) calculado pela Moody’s. As medidas de liquidez são positivamente relacionadas com a probabilidade de inadimplência.

Utilizando três modelos diferentes, com três períodos de tempo (3 meses, 1 ou 3 anos) e usando as variáveis instrumentais, os resultados mudam consideravelmente. No curto prazo (3 meses) e sem utilizar as variáveis instrumentais, há a relação negativa entre inadimplência e caixa, ou seja, empresas com maior caixa têm menos chance de falharem no pagamento de dívidas no curto prazo. No prazo de um ano, não há relação significativa entre liquidez e ocorrência de inadimplência. No prazo de três anos, a relação é negativa após considerar os fatores já citados (oportunidades de investimento e interesse dos administradores).

Esses resultados eram previstos na primeira parte, no modelo teórico que toma como base uma empresa que na data 0 tem um determinado caixa, precisa fazer investimentos e pode decidir poupar parte do caixa. Na data 1 irá receber um fluxo de caixa incerto e tem obrigações com a dívida que devem ser inferiores ao fluxo de caixa e ao caixa retido do período 0, ou a empresa terá eu inadimplir. A decisão da empresa é a decisão ótima de investimento, que implica a decisão ótima de caixa. Há uma troca entre investir (e aumentar o valor esperado) e poupar (o que aumenta as chances da empresa chegar na data 2). Isso faz com que empresas mais arriscadas, com fluxo de caixa na data 1 menores, mantenham mais caixa e tenham maior spread (efeito endógeno). Dessa forma, empresas que necessitam ter mais caixa são mais arriscadas e possuem spreads maiores. Mas há outros fatores que determinam a decisão de manter caixa, que são os dois fatores utilizados como variáveis instrumentais (opções de crescimento e interesse gerencial). Esses dois fatores fazem com que a sobrevivência para a data 2 seja mais desejada, já que, no primeiro caso, os fluxos de caixa são maiores e no segundo o custo privado da falência é grande demais para o administrador. Manter caixa como precaução contra baixos fluxos de caixa é deletério, mas aumentar o caixa por outros motivos é benéfico e reduz o spread. Para a probabilidade de inadimplência, manter maior caixa aumenta a probabilidade de sobrevivência no período 1 às custas de maior fluxo de caixa que poderia aumentar as chances de sobrevivência no período 2. Juntando com a pesquisa empírica e os dados sem variáveis instrumentais, é exatamente isso que ocorre. Com as variáveis instrumentais, aumentar o caixa para além de preocupações com o endividamento de curto prazo reduzem a chance de inadimplência.

Concluindo, a relação intuitiva entre caixa/liquidez e risco de crédito existe, empresas com mais caixa tendo menor risco de crédito. Porém, é necessário considerar outros fatores que diferenciem manter caixa por motivos positivos (como investimentos futuros) e manter caixa por motivos negativos (se precaver para fluxos de caixa baixo e falta de crédito, sendo preocupante que a empresa precise disso). É a esse tipo de relação que se diz “x afeta y, mas não se deve considerar apenas x na análise de y”. Empresas que precisam manter mais caixa são mais arriscadas, mas aquelas que escolhem manter mais caixa para aproveitar oportunidades futuras e/ou para reduzir o risco de inadimplência por interesses gerenciais (contrário ao dos acionistas de aumentar o investimento e o valor da empresa) são menos arriscadas.

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