domingo, 20 de fevereiro de 2011

Diferença de preços entre ações ON e PN

(The importance of Tag Along Rights and Identity of Controlling Shareholders for the Price Spreads Between Dual-Class Shares: the Brazilian Case)
Richard Saito e Alexandre di Miceli da Silveira

Em um mercado acionário onde é negociado mais de um tipo de ações de uma mesma empresa (como é o caso do mercado brasileiro), é de interesse examinar o que determina a diferença de preços entre os tipos de ações. A principal diferença entre os tipos de ações é que um tipo tem poder de voto (ações ordinárias) e outro possui poder de voto limitado ou nulo, mas com preferência no recebimento de dividendos (ações preferenciais). A diferença entre o preço da ação ordinária e o da ação preferencial é chamado no texto de dual-class Premium (DCP) e o artigo se destina a analisar o DCP.

Os autores começam argumentando que as ações ordinárias e preferenciais, se distribuírem o mesmo dividendo, como é razoavelmente comum, deveriam ter o mesmo valor se o valor de uma empresa é o valor presente dos fluxos de caixa futuros. Porém, raramente os preços são idênticos. Uma razão para as ações ordinárias valerem mais é que os acionistas controladores (que detém ações ordinárias em quantidade suficiente para sempre terem maioria nas assembleias) podem extrair vantagens do controle da empresa não extensível aos outros acionistas ordinários e muito menos para os preferenciais (“benefícios privados do controle”). Uma das evidências de que isso ocorre (citadas pelos autores) é que em países com proteção mais fraca dos acionistas minoritários o DCP é maior.

Ações com direito a voto também podem valer mais por conta de possíveis tentativas de tomada de controle da empresa, o que exigiria comprar um grande número de ações ordinárias, o que provavelmente irá requer o pagamento de um prêmio. Um tomador do controle da empresa poderia pagar um prêmio se achar que poderia mudar o gerenciamento da empresa, eliminar os benefícios privados do controle e assim aumentar o valor da empresa e lucrar com a operação. Nesse segundo ponto de vista, as ações ordinárias são mais valiosas quanto maior forem os benefícios privados do controle e também a probabilidade de haver mudanças no controle (se a estrutura acionária for muito concentrada, essa probabilidade é baixa). Com estrutura concentrada, o poder de voto marginal das ações em circulação no mercado é muito baixo, desvalorizando a ação ordinária frente à preferencial.

Essas são razões para as ações ordinárias valerem mais. Porém, em alguns casos, as ações preferenciais é que valem mais. O valor do controle não é o único fator a influenciar os preços. Diferenças de liquidez, de pagamento de dividendos e no Tag Along, a quantidade relativa de ações ordinárias e preferenciais e a concentração acionária podem aumentar ou diminuir o DCP (ou até inverter o sinal do DCP).

O foco dos autores era determinar se mudanças na legislação a respeito do Tag Along e a características do acionista controlador influenciaram o DCP, ou seja, o foco do artigo é análise do efeito da governança corporativa no DCP.

Uma parte interessante do artigo é uma análise histórica da Lei 6.404/76. No que se refere ao Tag Along, o texto original previa no artigo 254 que, em caso de alienação de controle, seria assegurado tratamento igualitário aos acionistas minoritários, ou seja, havia Tag Along de 100% para as ordinárias. Por conta das privatizações de companhias abertas da década de 1990, foi mudada a lei para evitar a necessidade de oferta pública por parte dos compradores das empresas por conta da mudança de controle. A lei 9.457/97 revogou o artigo 254. A lei 10.303/01 recriaria o artigo 254, agora com Tag Along mínimo obrigatório de 80% para as ações ordinárias. Essa mesma lei mudaria o limite máximo de ações ordinárias no capital social das empresas, passando dos 2/3 da Lei 6.404 para a metade. No que se refere aos dividendos, a lei 9.457 instituiu um dividendo das ações preferenciais pelo menos 10% maior do que das ordinárias, enquanto que a lei 6.404 só garantia a prioridade no recebimento de dividendos e/ou prioridade no reembolso do capital. Atualmente (após a Lei 10.303), as empresas podem escolher qual vantagem garantir às ações preferenciais: 1) Direito de dividendo mínimo de 25% do lucro líquido, com prioridade para as ações preferenciais em um valor pelo menos igual a 3% do patrimônio líquido; 2) Dividendos pelo menos 10% maiores; 3) Tag Along igual ao das ações ordinárias com o mesmo valor do dividendo.

Além do que é obrigatório pela lei, há ainda os níveis de governança da BM&F Bovespa, com compromissos assumidos voluntariamente pelas empresas de adotarem boas práticas de governança. O Nível 2 de governança obriga Tag Along de 100% para ações ordinárias e 80% para ações preferenciais. O Nível 1 não obriga Tag Along, porém, empresas desse nível ou do Nível Tradicional podem voluntariamente escolherem por oferecer Tag Along além do exigido pela lei. O Novo Mercado exige Tag Along de 100%, mas esse nível não é de interesse do artigo, já que as empresas só possuem ações ordinárias.

Pelos cálculos dos autores, o DCP médio foi de 7,68%, com mediana em -0,06%. O ano com maior DCP médio foi 1996 (17,97%) e o menor 2000 (-2,87%). Antes da Lei 9.457, a média era 16,4%, antes da Lei 10.303 era 4,1% e após a lei a média ficou em 8,0%, as médias sendo estatisticamente diferentes uma das outras. O gráfico abaixo tirado do artigo (Gráfico 1) mostra a evolução trimestral do DCP.


O artigo faz uma análise empírica dos fatores que determinam o DCP. Foram analisadas 87 empresas que tinham dois tipos de ações entre 1995 e 2006 por meio de regressões múltiplas. Os resultados mostram um efeito positivo da liquidez relativa das ações ordinárias no DCP (ou seja, quanto maior a liquidez das ações ordinárias na comparação das preferenciais da mesma empresa, maior o DCP); efeito positivo na diferença dos dividendos das ações ordinárias e das preferenciais (como esse fator é igual ou menor do que 1, se os dividendos são os mesmos, o DCP tende a aumentar); efeito negativo na concentração acionária na mão dos três maiores acionistas, seja concentração total ou de ações ordinárias (estruturas acionárias mais concentradas levam a uma perda de valor das ações ordinárias na comparação com as preferenciais por tornarem mais difícil ocorrerem ofertas de tomada de controle); e efeito positivo pelo fato da empresa ser familiar (o que aumenta a possibilidade de extração de benefícios privados do controle, o que beneficia as ordinárias e prejudica as preferenciais). Por fim, as expectativas a respeito das mudanças de lei se confirmam, com a lei 9.457 diminuindo o DCP ao tirar direitos dos detentores de ações ordinárias e com a lei 10.303 aumentando o DCP ao restaurar parcialmente esses direitos. Mudanças voluntárias no Tag Along (oferecer mais do que a legislação exige) parece não ter efeito, dependendo do modelo empregado.

Logo, mudanças na legislação que afetaram o Tag Along também afetaram o DCP, mas outros fatores específicos de cada empresa como a liquidez, a distribuição de dividendos e a estrutura acionária também influenciam. Mudanças voluntárias no Tag Along parece não ter efeito.

Alguns exemplos simples ajudam a ilustrar o efeito da liquidez, o resultado que achei mais interessante. As ações ordinárias da Petrobras e da Vale, que recebem o mesmo dividendo e são bastante líquidas em relação às ações preferenciais (até estão no Ibovespa), têm preço maior do que as ações preferenciais (PETR3: R$ 31,52; PETR4: 28,03; VALE3: 57,27; VALE5: 51,20, preços de 03/02/11). Por outro lado, as ações ordinárias do Itaú e da Gerdau, que pagam o mesmo dividendo, mas são muito menos líquidas do que as ações preferenciais, valem menos do que as ações preferenciais (ITUB3: 28,75; ITUB4: 35,39; GGBR3: 17,39; GGBR4: 22,9).

Li algures um investidor dizendo preferir GGBR3 a GGBR4 simplesmente porque o dividendo é o mesmo, sendo portanto vantajoso ter a ação ordinária pelo poder de voto e por ser mais barata (tendo maior rendimento com dividendos, portanto) e a liquidez menor não importando muito por ele ser um investidor de longo prazo. Independente do horizonte do investimento, a iliquidez de um ativo prejudica o investidor. Se a baixa liquidez das ações ordinárias não mudar, o investidor pode sofrer com os mesmos problemas atuais da baixa liquidez da ação ordinária quando for se desfazer dessas ações. Além disso, o poder de voto em uma estrutura concentrada é menos importante e um rendimento com dividendos maiores não tem nenhum significado especial (na minha opinião).

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