quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Valor do dinheiro no tempo e cartão de crédito

Escrevi no blog do Investeducar sobre cartões de crédito, citando apenas rapidamente o benefício em termos de recebimento de juros por conta do cartão de crédito, com o dinheiro que seria usado para comprar à vista podendo ser aplicado e render juros até o pagamento da fatura. Essa é uma vantagem pouquíssimo discutida (só conheço um outro texto na internet que trata disso) desse meio de pagamento e eu pretendo explorar um pouco esse assunto. Na planilha, fiz um exemplo hipotético (comentarei a pasta “1 cartão”).

Esse exemplo utiliza apenas dias úteis e, para ajustar, as semanas são de 5 dias (ou seja, os feriados foram removidos), meses de 4 semanas, anos de 240 dias. O horizonte de análise será de 245 dias. Uma pessoa gasta $ 50 todos os dias (o triplo no último dia da semana, que conta sexta e fim de semana) e gasta $ 17.400 no total. Há duas opções: realizar os gastos à vista ou pagar no cartão com fatura em 25 dias (algo próximo dos 40 dias corridos nesse exemplo). A pessoa recebeu o salário na data 0, tendo $ 1.400 para gastar e em condições de decidir por qualquer uma das duas opções. O dinheiro não gasto é aplicado à 0,6% a.m. com rentabilidade diária.

A melhor maneira de comparar as duas alternativas é por meio do valor presente. Aquela que tiver o menor valor presente (já que se trata de desembolsos) é a preferível, já que indica um menor custo para a pessoa.

O valor presente de fluxos de $50 a cada quatro dias e de $ 150 no quinto, em um padrão que se repete 49 vezes, é de $ 16.531,39. Uma maneira de interpretar esse valor é que se a pessoa tivesse essa quantia na data 0 e não recebesse nenhum fluxo de caixa poderia arcar com os seus gastos, aplicando o dinheiro não gasto, ficando com 0 no final do período.

A alternativa com cartão de crédito concentra 20 dias de gastos em um único fluxo de caixa na data 25, números análogos aos até 40 dias corridos para pagar com fechamento da fatura 10 dias corridos antes. Logo, há 12 pagamentos de $ 1.400 a cada 25 dias. No final do período (última semana), os últimos gastos são pagos à vista, já que seriam pagos no cartão em uma data que extrapola o limite estabelecido na análise (245 dias). O valor presente dessa série é de $ 16.464,00. A interpretação é a mesma dada acima: quem tivesse essa quantia e fizesse seus gastos apenas no cartão, poderia realizar os gastos projetados que teria saldo zero ao final do período. E o valor presente da alternativa com cartão de crédito é inferior à do pagamento à vista, indicando ser necessário ter menos dinheiro na segunda alternativa. A diferença dos valores presentes é de $ 67,40; é como se a pessoa ganhasse esse valor apenas por ter optado por utilizar o cartão ao invés de pagar à vista.

Existem custos para se ter cartão na forma de anuidades e seguros. Para calcular se vale a pena levando em conta apenas o benefício do valor do dinheiro no tempo, é necessário comparar o ganho com os custos. Geralmente, os custos são mensais e pagos junto com a fatura. Assim, pode-se calcular o benefício anual na periodicidade mensal, resultando em R$ 5,85 por mês. Se os custos com cartão de crédito forem inferiores a $ 5,85, vale a pena ter um cartão levando em conta apenas o benefício do valor do dinheiro no tempo contra apenas o custo de anuidade (transformadas em mensalidades) e seguros mensais. Ou seja, desconsidera-se os outros custos (possibilidade de ter que entrar no crédito rotativo, por exemplo) e os outros benefícios (programas de fidelidade, por exemplo).

Utilizar mais de um cartão aumenta o benefício, já que os desembolsos podem ser postergados mais um pouco. Com os outros dados permanecendo os mesmos, a diferença de valores presentes é de $ 90,03, com custos máximos de aproximadamente $ 7,53. O benefício aumenta com o uso de dois cartões de crédito, porém, o acréscimo de custos pode ser superior. Se antes a pessoa poderia pagar $ 5,85 em custos, agora só poderá pagar mais ou menos $ 3,76 por cartão (a conta não é exata). Indo ao extremo de utilizar 25 cartões, o benefício aumenta para $ 112,15, com parcela de mais ou menos $ 9,71. Utilizar tantos cartões não compensaria, por conta dos custos. Claro que a pessoa poderia obter alguma isenção de anuidades (melhor seria se tivesse gastos maiores para conseguir isso) e decidisse não pagar seguros, mas utilizar 25 cartões deixaria de simplificar e passaria a atrapalhar a vida da pessoa.

Existem diversos outros casos na planilha, incluindo a possibilidade de parcelamento, que aumenta o benefício ainda mais. O leitor poderá consultar a planilha para ver esses outros casos (deixei o máximo educativo o arquivo). Pode também simular os resultados com outros dados, podendo aumentar os gastos diários (o resultado seria aumentar os benefícios do cartão).

A conclusão é que ignora-se um benefício importante na análise do custo e benefício dos cartões de créditos, que é o valor do tempo no dinheiro. Isso se aplica mais diretamente para os casos da pessoa poder optar entre pagar à vista ou usar o cartão, que tenha dinheiro em caixa e deixe o dinheiro rendendo até ser gasto no pagamento da fatura. Mesmo que não seja esse o caso, há um benefício (não facilmente quantificável) de gastar hoje e pagar amanhã, ou seja, o valor do dinheiro no tempo continua a se aplicar nesse caso. Isso tudo requer, naturalmente, que o dinheiro não gasto nos pagamentos à vista fique aplicado, e não gasto em outro lugar, sob o risco de não haver fundos para pagar a fatura, entrar no crédito rotativo e eliminar qualquer ganho que poderia haver.

Uma situação mais vantajosa é quando há desconto por pagamento à vista, que geralmente supera qualquer taxa de aplicação sem risco que a pessoa possa ter. Porém, mesmo isso não invalidaria os argumentos aqui apresentados, já que pela lei brasileira pagamento com cartão de crédito é considerado pagamento à vista, por mais absurdo que isso seja pela lei econômica (pagamento à vista é efetuado hoje e com cartão não é efetuado hoje, logo, não é à vista). Mas isso é tema para outro(s) texto(s).

Observações de matemática financeira:
É possível calcular o valor presente dos pagamentos à vista com a HP 12 C. Não é possível utilizar 245 fluxos de caixa na calculadora, mas é possível transformar a série não uniforme em uma série uniforme. Os cinco primeiros fluxos de caixa podem ser transformados em um único fluxo na data 5, levando a valor futuro os quatro primeiros fluxos e somando com o quinto. Isso resulta em uma série uniforme de fluxos de $ 350,15. Basta trazer a valor presente uma série com 49 desses fluxos à taxa semanal, chegando no mesmo resultado.

O mesmo pode ser feito para o cartão de crédito, utilizando prestações mensais. Basta trazer $ 1.400 que está na data 25 para a data 20 e calcular 12 prestações dessas e depois somar o valor presente dos últimos fluxos de caixa. Um pouco mais complicado, mas possível na HP 12 C. Com mais cartões, fica um pouco mais trabalhoso, mas ainda possível de se calcular.

Para transformar o benefício anual na forma de diferença de valores presentes em benefício mensal, basta utilizar a função PGTO da HP 12C ou PMT do Excel. O valor presente é a diferença dos valores presentes (R$ 67,40), a taxa é mensal e o número de parcelas é 12. O resultado é R$ 5,84. Para ser perfeccionista, vendo que isso é o valor presente de parcelas pagas na data 20, não 25, pode levar a valor futuro por cinco dias e chegar em $ 5,85.

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