segunda-feira, 8 de março de 2010

Gerenciando para stakeholders

(Managing for stakeholders, stakeholder utility, and competitive advantage)
Jefferey Harrison, Douglas Bosse e Robert Phillips
Strategic Management Journal. Vo. 31. Ed. 1. 2010

Esse texto tem ideias semelhantes às expostas em um artigo anterior aqui comentado. Mas ao invés de procurar definir o objetivo da empresa focado no cliente, procura definir como algo mais amplo, gerenciar para stakeholders. A tese central do artigo é a de que uma empresa gerenciando para stakeholders investe mais no relacionamento com os stakeholders do que o mínimo necessário para garantir a participação voluntária. Investimento, nesse caso, significa transferência de valor (dinheiro) e de poder de decisão. Isso cria uma relação de confiança com, por exemplo, funcionários e clientes e isso cria oportunidades de criação de valor. O sentido da palavra valor é no sentido exposto anteriormente. Para diferenciar esse sentido do sentido de valor da empresa, o segundo conceito, neste texto, será escrito de forma mais explícita (valor da empresa, valor ao acionista etc.).

Essa maior confiança resulta em maior valor ao permitir que os stakeholders transfiram informações para a empresa sobre suas preferências (suas funções utilidade), o que pode gerar três resultados:

Aumentar a demanda e a eficiência
Aumentar a inovação
Aumentar a habilidade em lidar com mudanças inesperadas no ambiente.

Melhores relacionamentos com stakeholders gerariam vantagens competitivas nessas áreas, o que levaria a maior criação de valor. Uma reputação de confiável, um histórico de distribuição “justa” de valor e uma história de influência dos stakeholders na empresa levariam a essas vantagens competitivas que tenderiam a ser sustentáveis se mantidas essas características. Essas vantagens podem ser sustentáveis já que, para imitá-las, as concorrentes precisariam ter a mesma atitude, tarefa nada trivial.

Os autores não escrevem isso, mas é evidente que todos esses resultados esperados estão em concordância com o objetivo de maximizar valor da empresa. A exemplo do artigo sobre satisfação do cliente, confunde-se estratégia com objetivo. O parágrafo inicial é a descrição de uma estratégia, um conjunto de ações para se alcançar um objetivo. Uma estratégia alternativa seria de oferecer o mínimo de valor para os stakeholders de forma a reter a sua participação voluntária. Adotando a primeira estratégia, definir o quanto investir em relacionamento com stakeholders depende do objetivo da empresa. A estratégia mais desejável, dentro do objetivo de maximizar o valor da empresa, é a que gera mais valor e o que os autores dizem (com propriedade) é que a primeira estratégia pode obter esse resultado.

Um problema em comum com o artigo da satisfação do cliente é atribuir ao objetivo de maximizar o valor da empresa um caráter de curto prazo. Como já escrevi anteriormente, não há essa associação. Pode haver por problemas gerenciais (medo de demissão por parte do presidente, pacotes de remuneração que incentivem resultados de curto prazo etc.), mas essa é uma outra questão. Esse artigo também não lida com a questão de como mensurar se o novo objetivo sugerido está sendo bem gerenciado ou não, apesar dos autores demonstrarem preocupação com isso. Gerenciar significa lidar com decisões que envolvem interesses conflitantes entre os stakeholders e entre stakeholders e os acionistas, e os autores não fornecem um critério para definir como mediar esses conflitos. Os autores sugerem três indicadores de desempenho, crescimento, eficiência e inovação (como se fossem contrários ao valor ao acionista), mas obviamente que não é possível maximizar esses três indicadores. A questão continua mal resolvida.

Há também o erro mais comum, o de considerar o proprietário (acionista) como apenas mais uma parte interessada da posse (a empresa). Isso leva, na prática, à consideração do acionista como um stakeholder do administrador (seria “stakeholder da empresa”, mas o que significa essa expressão senão o sentido que eu lhe atribui?). Nos textos anteriores eu já tratei disso e não vou me repetir. Só digo que essa não é uma questão menor: do jeito que as coisas são colocadas, parece que o principal (acionista) serve ao agente (administrador), fato escondido na expressão indefinida “empresa”. Essa é uma posição extremamente conveniente (para os administradores) que ganham um poder sobre a propriedade alheia que não teriam de outra forma. Além do mais, o texto pede clareza com essa confusão. O que exatamente significa se perguntar “whether firms are better off if they provide the same sort of treatment to all of their primary stakeholders”? Uma empresa não tem interesses próprios que definam o que é melhor ou pior para ela, de forma que esse trecho perde muito em clareza e de significado,

Como no caso do artigo da satisfação do cliente, há conclusões boas a serem tiradas, apesar dos problemas citados. Gerenciar para os stakeholders não deve ser entendido como objetivo, assim me parece, mas como uma estratégia, assim como gerenciar para a satisfação dos clientes. As escolhas que a gerência tomará devem objetivar/tomar como critério criar valor para o acionista (o que, como dito, implica, necessariamente, um pensamento de longo prazo), e aumentar o investimento em relacionamento com stakeholders, como se diz no artigo, além do ponto que se atinge para manter a participação voluntária desses stakeholders, é uma estratégia que pode criar valor. A gerência deveria aumentar o investimento em cada stakeholder até o ponto em que uma unidade adicional de investimento deixa de criar uma unidade adicional de valor da empresa. Perceba que os resultados esperados pelos autores em aumento de relacionamento com stakeholders, aumentar a demanda e eficiência, aumentar a inovação e aumentar a habilidade em lidar com mudanças inesperadas não são desejáveis por serem belas e sublimes, mas por adicionar valor à empresa, além de gerar valor social.

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