sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

O peso morto do Natal

(The deadweight loss of Christmas)
Joel Waldfogel
The American Economic Review. Vol. 83. Ed. 5. 1993
http://graphics8.nytimes.com/images/blogs/freakonomics/pdf/WaldfogelDeadweightLossXmas.pdf

Embora não seja simpático comentar esse artigo no Natal (o próprio artigo foi lançado em um Dezembro), não há época mais apropriada para isso. Afinal, muitos devem estar recebendo presentes que não gostaram muito, apesar de não demonstrarem isso. È disso que se trata o artigo, a perda de bem-estar que presentes indesejados causa.

O artigo examina a decisão de dar presentes como um bem ou serviço (“produto”) ou em dinheiro. A hipótese inicial do autor é a de que seria preferível, em geral, presentes em dinheiro, já que a própria pessoa que recebe (“recebedor”) o presente conhece melhor as suas preferências do que quem dá o presente (“presenteador”). A magnitude do peso morto está relacionada com o conhecimento das preferências do recebedor por ele mesmo e pelo presenteador. Se o recebedor conhece perfeitamente as suas preferências, o presente em produto pode, no máximo, igualar a satisfação que o presente em dinheiro daria, no caso do presente ser algo que o recebedor gostaria de comprar. Porém, o que ocorrerá com mais freqüência é que o presente recebido não era exatamente o que o recebedor queria. O resultado seria a atribuição de um valor menor para o recebedor do que o preço pago pelo presenteador, destruindo valor. Se o recebedor não conhece perfeitamente as suas preferências, pode ocorrer do presenteador encontrar um presente tal que o recebedor não compraria por si próprio, criando valor.

O autor argumenta utilizando-se de elementos da teoria da escolha do consumidor.




O eixo horizontal é a quantidade de presentes em produto e o eixo vertical é o valor de outros bens. As linhas são linhas de orçamento e as curvas que as tangenciam são curvas de indiferença. A situação inicial é a linha de orçamento aa’, com escolha ótima em I e utilidade de Uo. Se o recebedor recebesse presente só em dinheiro, sua linha de orçamento aumentaria e a utilidade iria de Uo para U1. Se, ao invés, recebesse presente em produto no mesmo valor, a utilidade iria para o ponto no eixo horizontal com o que ele compraria do produto antes mais o que recebeu e no eixo vertical continua comprando o que comprava dos outros produtos anteriormente. Nesse caso, sua utilidade seria U2, em um ponto ineficiente da segunda linha de orçamento, já que, com menos do produto dado em presente, seria possível alcançar o mesmo nível de utilidade (linha tracejada), gastando menos. O peso morto é a distância entre os dois pontos de mínimo das curvas de indiferença.

Com esse modelo, é possível analisar a decisão de maximização da utilidade do recebedor do presente, seja presente em dinheiro, seja em produto. O presenteador escolherá o tipo de presente de acordo com a sua expectativa a respeito da recepção do presente pelo recebedor. Os que acreditam não conhecer muito bem as preferências do recebedor preferirão dar mais presente em dinheiro enquanto que os que acreditam conhecer melhor o recebedor irão utilizar-se mais de presentes em produto. O primeiro grupo deve ser composto por presenteadores próximos socialmente do recebedor (pais, irmãos, amigos) e o segundo de presenteadores mais distantes (avós, tios/tias).

Essa é a previsão teórica do modelo do autor. Para testar empiricamente, o autor realizou uma pesquisa com estudantes de Economia, nível intermediário. Foi pedido que estimassem o quanto o presente em produto custou e qual valor eles dão ao presente (quanto pagariam para comprar esse presente). A diferença entre o valor e o preço, se negativa, indica o peso morto. Foi considerada a hipótese do recebedor ter trocado o presente. Foram feitas duas pesquisas, uma perguntando o máximo preço que a pessoa estaria disposta a pagar no presente e na segunda o mínimo valor pelo qual trocariam o presente. A segunda pesquisa deve estimar um peso morto menor e a primeira maior. Apesar do artigo se referir ao Natal, inclui todos os presentes recebidos pelos respondentes no ano da pesquisa (1992).

O resultado da primeira pesquisa mostrou uma perda de valor de mais de 30%, o valor médio dos presentes sendo apenas 71,5% do preço médio estimado. A perda é de 33,9% se for considerada a média das proporções valor/preço. A segunda pesquisa mostrou uma perda de valor de apenas 9,2% do valor médio ou 12,9% da média das proporções. Excluindo presentes em dinheiro (ou vales), o peso morto sobe para 16,1% na segunda pesquisa.

Em seguida, o autor procura estabelecer os determinantes desse peso morto. Para isso, usando as informações da pesquisa, procurou qual presenteador possível representou o maior peso morto, qual teve mais presentes trocados e a tendência para dar presente em dinheiro. Os presenteadores são: tios, irmãos, pais, “outro significativo”, avós e amigos. Conforme o esperado, há uma correlação entre a perda de valor, a quantidade de trocas e a porcentagem de presente em dinheiro. Os dois presenteadores que dão presentes considerados menos valiosos são os tios e os avós, mais distantes socialmente dos recebedores, e são esses públicos que mais presenteiam com dinheiro. Amigos e irmãos, com valor próximo do preço, baixa taxa de troca e baixa tendência a presente em dinheiro. Um caso especial é o “outro significativo”, namorado/a, esposa/marido (suponho) com valor não muito distante do preço, zero taxa de troca e zero taxa de presente em dinheiro.

Um porcentagem grande (88,5%) dos presentes era em produto na pesquisa. O autor oferece duas explicações. A primeira é que o presenteador sente-se mais satisfeito por dar um presente em produto, e não teria a mesma satisfação dando presente em dinheiro. A segunda é que há um estigma contra dar presente em dinheiro.

A conclusão é que dar presentes em produto diminui o bem-estar na medida em que as pessoas que recebem os presentes atribuem menos valor a esse produto do que ele custa. Esse artigo oferece algumas recomendações na hora de dar presentes, que já devem ser levadas em conta pelas pessoas. A primeira é que, se não se conhece muito bem a pessoa, o mais recomendável seria dar presente em dinheiro. A segunda é que, sendo esse o caso, um vale-presente pode ser preferível, sendo menos impessoal do que dinheiro, desde que o presenteador, no mínimo, saiba o que o recebedor gosta de comprar. A terceira é que o presenteador deveria prestar mais atenção no que o recebedor quer recebedor do que ele gostaria de presentear. Quarto, que pode valer muito a pena dar presente em produto se esse produto for algo que o recebedor não compraria para si mesmo, normalmente, talvez pelo presenteador conhecer melhor o recebedor do que ele próprio.

O autor lançou um livro sobre esse tema, de nome Scroogenomics (em referência à personagem do Um Conto de Natal, de Charles Dickens). Eu não li o Scroogenomics, mas muito do que está lá deve ter a ver com esse artigo.

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