terça-feira, 5 de maio de 2009

Obsolescência das empresas

Há um conselho de investimento de que é recomendável comprar, para longuíssimo prazo, ações de empresas cujos produtos sempre serão consumidos. “Não importa o que aconteça, todo mundo vai comprar...” é a frase padrão.

Essa não é o melhor dos conselhos. Como mostrarei com alguns exemplos, a sobrevivência e a prosperidade de uma empresa dependem muito mais de sua capacidade em se adaptar ao ambiente competitivo do que na perenidade de seus produtos.

Bethlehem Steel: O aço continua até hoje a ser uma matéria-prima importante para a indústria. Nem por isso a Bethlehem Steel continua a operar. O que levou a empresa à falência (decretada em 2003) foi a incapacidade da empresa em se adaptar às novas tecnologias, com a entrada de concorrentes de menor custo (siderúrgicas brasileiras, por exemplo) adotando a tecnologia de mini mills ou integradas verticalmente que as tornaram mais eficientes.

Kodak: As pessoas continuam tirando fotos. Porém, ao invés de usar as máquinas com filmes, usam máquinas digitais. O segredo do sucesso passado da Kodak estava não tanto nas máquinas e mais na venda de filmes. A necessidade de filmes foi abolida com as máquinas digitais, que são muito mais convenientes para o consumidor. Ao não ter coragem de mudar seu modelo de negócios com uma tecnologia que já dispunha (a Kodak sabia bem antes como fazer máquinas digitais), a Kodak passa pelos problemas atuais: a receita cai a uma taxa de 7% ao ano nos últimos 5 anos. A empresa teve lucro em quatro nos últimos sete anos, mas a soma dos lucros e dos prejuízos é negativa (US$ 138 milhões).

Máquina de escrever: Exemplo dos mais usuais de tecnologias obsoletas. É de se imaginar que as empresas que as fabricavam faliram. Uma grande produtora do passado era a IBM, que ganhava vendendo máquinas e prestando assistência técnica. Mesmo com o fim da máquina de escrever, a IBM perdurou. Teve problemas nos anos 90, mas nada a ver com isso.

Big Three (automóveis): As pessoas continuam a consumir automóveis, por sua utilidade (transporte) e pelo status que conferem. Nem por isso, a Chrysler deixou de decretar concordata e as outras duas deixaram de estar na situação atual. Planos generosos de pensão e a lenta adaptação ao ambiente (gasolina mais cara inibe o consumo de carros beberrões, como os SUVs, carro-chefe das empresas) acabaram por debilitar as três.

Companhias aéreas: Viajar de avião continua a ser a maneira mais rápida de viajar. É assim nas últimas décadas e não há perspectiva de substituição no futuro próximo. Mas o setor é campeão de grandes falências. No mundo teve a PanAm e no Brasil só não faliram Tam e Gol (fora a Azul, que começou agora). Os maiores problemas do setor são os choques de custos (aumentos repentinos no preço do petróleo) e a concorrência suicida (liderada pelo concorrente mais idiota, como disse um ex-presidente de uma companhia americana), pelo baixo custo marginal de venda de uma passagem, o que cria ferozes competições por preço.

Victor Talking Machine: Essa é a história mais interessante (e longa). A VTM era a líder em fonógrafos e gravações fonográficas nos Estados unidos. Em 1929, foi comprada pela Radio Corporation of América (RCA) e durante a 2ª guerra a subsidiária japonesa (Victor Compay of Japan) separou-se da RCA. A RCA fabricava uma série de produtos em sua história, com os fonógrafos, LPs, TVs coloridas e também possuía emissoras de rádio (como a NBC). Na década de 70, passou a diversificar demais sua atuação, indo para produtos fora de seu foco (comprou a Hertz, por exemplo), o que se provou uma estratégia destruidora de valor. Na década de 70 e 80 se envolveu na briga de formatos de sistemas caseiros de vídeo com seu SelectaVision. O vencedor, como sabemos, foi o VHS da JVC, que é a Victor Company of Japan. Essa derrota custou caro para a já debilitada RCA.

Em 1986, a General Electric assumiu o controle da companhia e a desmembrou. Hoje, da RCA, só sobraram as marcas. Mas a subsidiária japonesa da VTM, a JVC, continua operando.

Brasil: Vários frigoríficos e sucroalcooleiras estão passando por dificuldades, que nada tem a ver com a perspectiva do negócio. É de se argumentar que no futuro as pessoas não comerão carne (particularmente, acho irrealista) ou que essa de carro a álcool não tem futuro, mas não é essa a fonte dos problemas. O principal problema atual dessas empresas é a questão do crédito.

Futuro: Questão diferente, mas correlata. É de se argumentar que o setor de biocombustíveis, por exemplo será promissor no futuro nem tão distante. O que jamais significa que toda empresa que investe no setor será lucrativa ou mesmo sobreviverá. A Brasil Ecodiesel, para ficar nesse mesmo exemplo: mesmo que os biocombustíveis tenham um estrondoso sucesso, não quer dizer que essa empresa em particular terá sucesso só por trabalhar com esse produto.

Alguém poderia argumentar que um punhado de exemplos não faz uma teoria. Verdade. Mas a ideia de “produtos que sempre serão consumidos” é ainda mais frágil!

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